Estado brasileiro omisso

Os fortes tentáculos das máfias internacionais na Amazônia Legal

Não se trata de um filme como o Poderoso Chefão. A ameaça e o cenário são reais. Tudo de pior poderá acontecer na Amazônia após o manifesto interesse de várias organizações mafiosas internacionais de atuarem no Brasil, e, logicamente, na Amazônia, segundo revelou o site UOL no último 14 de janeiro.

Em artigo publicado no jornal O Globo, o jornalista Fernando Gabeira chamou a atenção do governo Lula para o perigo de o cenário de terror que hoje permeia o Equador se transferir para o Brasil em curto espaço de tempo.

Disse Gabeira: “A produção e a distribuição de drogas são um dado essencial não apenas na economia, mas na própria vida social de nosso continente. O caso brasileiro é especial. Por aqui passam rotas de drogas, e o país tornou-se o segundo maior consumidor mundial de cocaína”.

Para Gabeira, já é fato que o Brasil se tornou “um novo México”. No Rio de Janeiro, uma milícia mostrou a força do crime organizado ao incendiar uma grande quantidade de veículos e prejudicar a produção de energia solar na Região Metropolitana da outrora “Cidade Maravilhosa”.

Assim como no Brasil, o jornalista sustenta que as máfias do crime transnacional se espalham acintosamente na Colômbia, na Bolívia, no Peru e na Venezuela, e no Brasil estendem seus tentáculos até a Amazônia e ao Nordeste.

O problema é dos mais sérios, pois não há dúvida de que, em virtude da fraqueza do Estado brasileiro, os criminosos fiquem cada vez mais ousados, como se verifica nas terras dos índios yanomami, em Roraima. Lá o governo fez barulho no início de 2023, mas logo saiu da área para alegria dos garimpeiros.

Ausente, ou omisso, o Estado brasileiro facilita as coisas para a contaminação da região amazônica por grupos mafiosos da Itália, México e do Japão, convencidos de que podem obter imensos lucros com o tráfico de drogas e outros negócios ilegais sem maiores entraves.

Todo cuidado é pouco

Cruel ao extremo, a máfia italiana Cosa Nostra é uma das organizações com forte interesse no Brasil e na Amazônia, onde o crime parece mesmo compensar depois do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, ocorrido em região rural do município Atalaia do Norte, no Alto Rio Javari.

Ao UOL o especialista em Relações Internacionais e fundador do Instituto Global Atittude, Rodrigo Reis, destacou que a complexidade geográfica e as facilidades oferecidas às operações clandestinas, dada a fragilidade dos órgãos de segurança da região, favorecem os negócios escusos.

Na opinião de Rodrigo, a cooperação internacional é o melhor caminho para o enfrentamento dos grupos mafiosos no atual cenário em que eles se apresentam, com muita disposição diante de um Estado fraco. A união de países, com o incremento de um sistema de inteligência competente e firme, poderia reverter o jogo.

‘Ndrangheta’ maior que a Cosa Nostra

Só essa alternativa seria capaz de enfrentar máfias como a ‘Ndrangheta’, poderosa organização criminosa italiana, de 20 mil membros, superior à Cosa Nostra, aliada do PCC no Brasil e presente em mais de 40 países. Nos EUA e na Europa, ela contempla o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e o contrabando.

Rodrigo Reis observa que a ‘Ndrangheta’ é super organizada, sem nada dever a outras máfias impiedosas como a Yakuza japonesa, o Cartel de Sinaloa do México, a Tríade Chinesa e a máfia russa. Ele ressalta que a Ndrangheta’ hoje é a principal máfia do mundo, “a joia da coroa” do crime organizado italiano.

Além de drogas, lavagem e contrabando, esses grupos mafiosos têm no tráfico de armas uma de suas prioridades. Nesse sentido, chama a atenção a máfia russa Solntsevskaya Bratva, chefiada pelo ucraniano Semion Mogilevich, classificado pelo FBI como “o gângster mais perigoso do mundo”.

Algumas das 22 facções criminosas nacionais e estrangeiras que atuam na Amazônia Legal são ligadas a esses grupos mafiosos, espalhadas pelos seguintes estados: Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, ará, Rondônia, Roraima, Tocantins e por parte do Maranhão.

Manaus no mapa da violência

Conforme o estudo “Cartografias da violência na Amazônia”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, tais facções são as maiores responsáveis pela elevação da taxa de mortes violentas na região, na ordem de 45%, acima da média nacional. As capitais alvos são Manaus (AM), Porto Velho (RO), Macapá (AP), Rio Branco (AC) e Palmas (TO).

De acordo com especialistas, se as parcerias entre os governos da região não acontecerem, a tendência será o aumento exacerbado da violência e do tráfico de drogas na região em 2024.

Com riquezas naturais fabulosas, a Amazônia também é vista pelos criminosos como um “paraíso” ao contrabando de madeira, contrabando de minérios e pesca ilegal. A situação de vida mísera das populações locais ajuda na cooptação dos caboclos pelo crime.

As máfias internacionais crescem os olhos sobre o Brasil e a Amazônia. Mas, então, o que fazer ? Por que demorar a agir no sentido da cooperação entre os governos da América do Sul e das fronteiras com as guianas, já que é essa parece ser o remédio mais eficiente contra o crime ?

Soberania no lixo

Não sem razão, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso, disse recentemente em Zurique que a questão da segurança pública e da violência no Brasil precisa ser priorizada pelo governo Lula.

Claro que o ministro falou o óbvio ante a situação estarrecedora do Equador e do México, onde o Estado faliu, deixando os países à mercê das máfias transnacionais. “O Brasil corre o risco de perder a soberania da Amazônia não para outros países, mas para o crime organizado”, afirmou Barroso.

Barroso gritou, mas ocorre que o presidente Lula olha mais por Rio de Janeiro e São Paulo, para onde mobilizou ações integradas da Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Forças Armadas para combater o crime.

Enquanto isso, na Amazônia a realidade da segurança pública, ou melhor, da insegurança, é de 60 mil policiais militares empenhados na guarda de 83 km². De fato, “um paraíso” para as máfias via CV (Comando Vermelho) e o PCCC (Primeiro Comando da Capital), que operam em 178 dos 772 municípios da região.

Números do caos

Dados do estudo Cartografias da Violência na Amazônia, parceria entre o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Instituto Mãe Crioula, apontam o aumento do desmatamento na ordem de 85,3% entre 2018 e 2022 na região.

Os números também apontam o fortalecimento do comércio de madeira de lei em 37,6% paralelamente à elevação da apreensão de cocaína por polícias estaduais na ordem de 194% de 2019 a 2022. As apreensões de armas se elevaram 91% no período.

Claro que os números preocupantes foram levados à COP28 da ONU em Dubai, nos Emirados Árabes. Houve discursos pomposos, mas nenhuma praticidade quanto a adoção de medidas acerca do problema nos estados da Amazônia Legal.

“O inimigo é o crime”

No entender do diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança, Renato Sérgio de Lima, não há mais como culpar os empresários do agronegócio pelos desequilíbrios climáticos e crimes ambientais. “O inimigo é o crime.”, garante ele.

Renato detalhou bem o retrato do caos à imprensa nacional após informar os autos de infração aplicados pelo Ibama entre 2018 e 2022. As autuações se elevaram 40% envolvendo sobretudo Pará, Rondônia e Amazonas. A Polícia Federal também foi dura contra os crimes de mineração no mesmo período.

Só que Renato não conseguiu condenar ninguém: “Não tem policial civil ou perito. A Polícia Federal pode prender um garimpeiro que matou outro dentro de uma terra indígena. Mas falta quem abra inquérito. Sem laudo, não há denúncia”, queixou-se ele.

De forma direta, Renato mostra não haver como combater as máfias, os grupos organizados do crime, porque simplesmente não há a mínima infraestrutura policial na Amazônia.

Apenas 54 delegacias cuidam de conflitos agrários, crime organizado, drogas, lavagem de dinheiro e outras questões na região. Em Roraima, pátria dos Yanomami, são 455 km² para cada policial militar. No Amazonas, o caos é maior: são 835 km² para cada policial.

Forças Armadas: cooperação difícil

A falta de cooperação entre as Forças Armadas na região, reconhecida pelo próprio presidente Lula, agrava a situação e fortalece o crime, que mantém seguras suas rotas de tráfico de drogas e armas.

Infelizmente, o cenário é de piora do quadro de insegurança ante a força dos grupos nacionais que agem na Amazônia e que neste ano de 2024 indicam que poderão procurar consolidar seus laços com as máfias internacionais.

Eles precisam de território para assegurar rotas. Logo, vão se organizar e se sofisticar cada vez mais neste ano. Com o Estado brasileiro perdido no tempo e no espaço, essas facções poderão alcançar seus objetivos. O sinal vermelho está aceso, e a cooperação internacional é necessária para impedir o caos definitivo.

Por Juscelino Taketomi