Em boa hora, chega ao fim o mandato de dois anos do ministro José Antonio Dias Toffoli como presidente do Supremo Tribunal Federal. Seu colega Luiz Fux o sucederá a partir de quinta-feira. Toffoli será lembrado mais por seus erros do que por eventuais acertos na condução do tribunal. E pelo medo atávico da farda.
Mal assumiu o cargo, em palestra na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo sobre os 30 anos da Constituição de 1988, Toffoli disse como preferia referir-se ao golpe militar de março de 1964 que instituiu a ditadura mais longeva da história do país. Nem golpe, nem revolução, apenas um “movimento”.
Levou um duro corretivo do Centro Acadêmico que representa os alunos da Faculdade: “São justamente posicionamentos como este, que menosprezam o brutal desrespeito aos direitos humanos ocorridos no país durante o regime militar, que estimulam o recrudescimento do discurso autoritário”.
Não aprendeu. Um dos seus primeiros atos como presidente do tribunal foi pedir ao Comandante do Exército a indicação de um general para assessorá-lo. O escolhido, Fernando de Azevedo, não durou muito no cargo. É hoje o ministro da Defesa do governo do ex-capitão Jair Bolsonaro. Toffoli pôs outro general no seu lugar.
Ontem, ao fazer um balanço do seu período como presidente do Supremo, Toffoli ofereceu mais uma prova do temor reverencial que tem pela farda e do esforço que fez para comportar-se como um aliado oculto, ou nem tão oculto assim, do governo militarizado de Bolsonaro. Afirmou sem ruborizar-se:
– De todo relacionamento que tive com o presidente Jair Bolsonaro e com seus ministros de Estado, nunca vi da parte deles nenhuma atitude contra a democracia. Meu diálogo com ele sempre foi direto, sempre foi franco, sempre foi respeitoso.
Não foi uma “atitude contra a democracia” a de Bolsonaro quando participou em 19 de abril último, em Brasília, da manifestação promovida por seus devotos diante do Quartel-General do Exército a favor de uma nova intervenção militar no país? Foram exibidos cartazes que pediam o fechamento do Congresso do Supremo.
Na ocasião, do alto de uma camionete, protegido por soldados, Bolsonaro pregou o fim da “patifaria”. Indiferente às faixas com inscrições favoráveis a um novo AI-5, o ato mais brutal da ditadura de 64, Bolsonaro proclamou: “Nós não queremos negociar nada. […] Chega da velha política. Agora é o povo no poder”.
Foi respeitosa a ação de Bolsonaro em 7 de maio passado de marchar sobre o prédio do tribunal à frente de um numeroso grupo de empresários e de ministros para reclamar das medidas de isolamento social baixadas por governadores e prefeitos? A marcha surpreendeu Toffoli e seus pares. Não estava marcada.
Para fazer média com os empresários e demonstrar coragem, Bolsonaro improvisou um comício dentro do prédio em defesa da salvação da economia mesmo que à custa de vidas. Tudo foi gravado. Quando cedeu a palavra a Toffoli, ouviu-o sem sequer olhar em sua direção, impaciente. Não usava máscara.
Reportagem de capa da VEJA em 9 de agosto do ano passado contou que três meses antes o Brasil estivera à beira de uma crise institucional que poderia ter resultado na queda de Bolsonaro ou em uma nova intervenção militar. Toffoli confirmou à revista que sua atuação foi vital para abortar a crise.
O Toffoli que prometera reduzir o protagonismo do tribunal, devolvendo-o às suas atividades mais comezinhas, foi o mesmo que reservou para si um protagonismo que definitivamente não lhe fez bem, nem faria a qualquer magistrado. Recato, prudência e isenção são algumas das qualidades que se exige de um juiz.
*Por Ricardo Noblat