Suicídio entre índios cresceu no AM nos últimos anos

Os altos índices acenderam o alerta das autoridades de saúde; foram 128 registros só em 2017.

Problema de saúde pública, o suicídio vai ser, neste mês, o assunto de oficinas realizadas em três municípios do Amazonas. Os encontros, promovidos pelo Comitê Gestor de Prevenção ao Suicídio, pretendem não só discutir a temática, como preparar os diversos profissionais da área da saúde e educação a lidar e identificar a problemática que atinge muitos jovens indígenas no Amazonas. Os encontros acontecerão em preparação para a campanha “Setembro Amarelo”, que tem como foco a conscientização sobre a prevenção do suicídio em todo o Brasil.

No Estado, uma das maiores preocupações dos especialistas está ligada ao suicídio indígena, devido os números de casos estarem crescendo, conforme dados do último relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi).  Foram mais de 128 registros de suicídio entre os povos indígenas, somente em 2017.

A prática, no caso das culturas indígenas, pode esta relacionada a questões de conflitos de terras e até entendimentos religiosos e culturais. O que ainda não tem, segundo especialistas, nenhum tipo de fundamento confirmado em pesquisas ou estudos do tipo.

Novos dados

A antropóloga Lúcia Helena Rangel conhece bem a temática e já participou de vários debates sobre o assunto. Segundo ela, novos dados devem ser divulgados ainda esse ano e já são superiores aos do último levantamento. “Todos os anos, fazemos um relatório de violência contra os povos indígenas. É nesse relatório que a gente constatou um alto grau de suicídio. No começo, notou-se que tinham situações mais localizadas. Nesses relatórios, fomos observando que começou com uma etnia especifica, mas uma coisa que começou até comportamental e, em determinado momento, começou a aparecer em outros povos. Vamos publicar em breve um relatório de 2018. Conseguimos outros dados que mostram que os números aumentaram e isso  deve ser divulgado nos próximos meses”, explica.

No sentido antropológico, a especialista ressalta que muitos casos podem ter relações, por exemplo, com o entendimento de vida e morte por parte de alguns grupos indígenas, porém não se tem um dado concreto sobre tal motivação. “O suicídio é muito difícil de explicar. Então, tem que ter bastante calma e cautela para poder analisar esses casos. No caso dos índios, isso acaba se tornando mais preocupante, merece um olhar diferenciado, por não ter o mesmo contexto da área urbana, onde existem vários fatores sociais que podem acabar implicando nisso”, observou.

Para a pscóloga Melina Lima, assim como na população em geral, a questão é um fenômeno complexo e multfatorial no contexto indígena. “Alguns aspectos são relacionados ao acesso a terra, conflitos geracionais e familiares, o contato com a sociedade envolvente e outros fatores que envolvem a concepção de morte e doença por essas culturas. Tem a questão cultural que é diferente para eles. Eles possuem modelos explicativos próprios sobre a questão da morte, do adoecimento psíquico, então isso acaba adquirindo um caráter diferente”, disse ela, que é coordenadora do projeto para promoção da saúde, vigilância, prevenção e atenção integral relacionada ao suicídio  da Secretaria de Estado de Saúde (Susam).

Melina ressalta que a questão no contexto indígena é importante e preocupante porque o índice de suicídio nessa população chega a ser três vezes maior do que na população não indígena. “Ele acontece também em uma faixa etária menor que da população não indígena. Sendo os maiores índices entre jovens de 10 a 19 anos”, disse.

Liderança indígena em uma comunidade da etnia Yanomami, Francisco Xavier diz que as ocorrências em São Gabriel da Cachoeira  (que tem o maior índice do País) podem estar atribuída ao contato com as pessoas não indígenas. “Tivemos um caso que a pessoa tinha consumido bebida alcoólica. Esse contato com outras pessoas traz coisas ruins para a nossa comunidade, como álcool, drogas. Por isso a gente tem essa preocupação, com essa proximidade, invasões da nossas terras”, comentou.

Três vezes maior

Segundo  dados do  Ministério da Saúde, o Brasil registrou uma média nacional de 5,7 óbitos para 100 mil habitantes. Na população indígena, foi registrado um número de óbito três vezes maior que a média nacional – são 15,2. Destes registros, 44,8% são suicídios de crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos.

Política nacional

De acordo com informações divulgadas pelo Ministério da Saúde em abril deste ano, foi sancionada a lei federal nº 13.819/2019, que institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio.
A  legislação  prevê que as tentativas de suicídio e as ocorrências envolvendo violência autoprovocada também sejam notificadas pelas instituições de ensino, públicas e privadas. A medida busca ampliar o sistema de notificação, visando o aperfeiçoamento de políticas públicas de atenção e cuidado.

Procurados pela reportagem de A Crítica, o órgão informou que entre as estratégias estruturadas pela Sesai para o enfrentamento do fenômeno do suicídio está a implementação da vigilância epidemiológica nos Dsei’s, por meio da qual é realizada a coleta, organização e análise dos dados sobre os eventos, assim como ações com grupos de apoio nessas localidades.

Ações em três municípios

O Comitê Gestor de Prevenção ao Suicídio no Amazonas  foi criado em maio  de 2018  para planejar as ações do projeto a partir do grupo de trabalho relacionado ao suicídio e iniciou as atividades em janeiro. Os municípios escolhidos para a realização das oficinas lideram foram Manaus, São Gabriel da Cachoeira e Tabatinga.

Foram escolhidos por liderarem as ocorrências do tipo no estado. São Gabriel, por exemplo, é uma das cidades brasileiras que lidera as estatísticas de suicídio por habitantes dos municípios brasileiros, segundo dados do Ministério da Saúde.

Para a psicóloga Melina Lima, o tema preocupa uma vez que 70% da população de São Gabriel da Cachoeira é considerada indígena. “É um problema de saúde publica que vem aumentando no mundo todo. Por isso a importância de falar sobre, preparando as pessoas para o cuidado ao outro. É importante porque, na medida em que a gente conhece como cuidar melhor, essas taxas reduzem, então falar sobre, conhecer e saber cuidar diminui o índice de suicídio. Isso é fato”, afirmou.

O assunto vai ser um dos pontos tratados nas oficinas que serão ministradas por diferentes profissionais, segundo a especialista. “Tem psicólogos da Secretaria Especial de Saúde Indígena, antropólogos, assistentes sociais”, detalhou ela. “Os temas estão relacionados à saúde mental, acolhimento nas ações de atenção e gestão nas unidades de saúde, saberes tradicionais, consumo de álcool e drogas como um fator de risco de suicídio e muitos outros”, explicou a psicóloga.

Por ACRÍTICA