Sob pressão de Bolsonaro, Exército livra Pazuello de punição

Pazuello durante depoimento para a CPI da Covid - Foto: Sergio Lima/AFP

Sob pressão de Jair Bolsonaro, o comando do Exército anunciou nesta quinta-feira (3) que o general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, não sofrerá punição por ter participado de um ato com o presidente no Rio de Janeiro.

Em nota, a Força afirmou que “o comandante do Exército analisou e acolheu os argumentos apresentados por escrito e sustentados oralmente pelo referido oficial-general”.

“Desta forma, não restou caracterizada a prática de transgressão disciplinar por parte do general Pazuello. Em consequência, arquivou-se o procedimento administrativo que havia sido instaurado”, diz o comunicado.

No começo da semana, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, já sinalizava a colegas de farda que integram o Alto Comando que a possibilidade de não punir Pazuello estava na mesa de discussões.

Oliveira alegou que a pressão feita pelo presidente Jair Bolsonaro era um fator relevante e poderia ser decisivo para não punir o general da ativa, ex-ministro da Saúde.

Diante da possibilidade, concretizada nesta quinta, discutiu-se, então, uma passagem imediata de Pazuello à reserva. Este movimento, porém, dependeria do próprio general, que já havia dito a integrantes do Alto Comando que não tomaria essa iniciativa enquanto durar a CPI da Covid no Senado, onde é um dos principais alvos.

Depois do ato no Rio, o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou que a punição discutida de Pazuello tinha por objetivo “evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças Armadas”. “A regra tem que ser aplicada para evitar que a anarquia se instaure dentro das Forças. Assim como tem gente que é simpática ao governo, tem gente que não é.”

Generais do Alto Comando manifestaram o desejo de que ocorresse com Pazuello pelo menos algo semelhante ao que ocorreu com Mourão em 2017, quando ele perdeu um posto na cúpula do Exército após defender a possibilidade de intervenção militar.

Em 2015, Mourão perdeu o comando militar do Sul por criticar a presidente Dilma Rousseff. Em 2018, aliou-se a Bolsonaro e se tornou o vice na chapa para a Presidência da República.

Pazuello não foi punido e não foi para a reserva. Pelo contrário: ganhou um cargo no Palácio do Planalto. Ele é, desde o dia 1º, secretário de Estudos Estratégicos da Secretaria de Assuntos Estratégicos, vinculada à Presidência da República.

Nesta quinta, após a decisão do comando do Exército, Mourão disse à Folha que por “questão de disciplina intelectual” não irá comentar a decisão que livrou o general da ativa.

No Congresso, parlamentares criticaram a posição adotada pelo Exército. A avaliação foi a de que a medida mancha imagem da instituição e representa uma sinalização negativa.

No fim da manhã de domingo (23), Pazuello subiu sorridente ao carro de som onde estava Bolsonaro. Pouco antes houve um passeio de moto com apoiadores, do Parque Olímpico ao aterro do Flamengo. O percurso teve 40 quilômetros. Ao fim, houve discurso aos apoiadores.

O “gordo”, como Bolsonaro se referiu a Pazuello, retirou a máscara assim que atingiu o topo do palanque. E fez um discurso curto aos apoiadores.

“Fala, galera”, introduziu o general da ativa. “Eu não ia perder esse passeio de moto de jeito nenhum. Tamo junto, hein. Tamo junto. Parabéns pra galera que está aí, prestigiando o PR [presidente]. PR é gente de bem. PR é gente de bem. Abraço, galera.”

O decreto de 2002 que institui o regulamento disciplinar do Exército prevê como transgressão disciplinar a manifestação política por militar da ativa.

Trata-se da transgressão de número 57: “Manifestar-se, publicamente, o militar da ativa, sem que esteja autorizado, a respeito de assuntos de natureza político-partidária.”

O Estatuto dos Militares, uma lei em vigor desde 1980, veda “quaisquer manifestações coletivas, tanto sobre atos de superiores quanto as de caráter reivindicatório ou político”.

Um processo formal foi instaurado para apurar a transgressão disciplinar por Pazuello. A punição poderia ser uma advertência, repreensão, prisão ou exclusão dos quadros, de acordo com a gravidade e os atenuantes do caso, previstos em lei.

Sem alarde e sem destaque, o Exército divulgou em seu site, em dia de feriado, a decisão de não punir Pazuello. O comandante acolheu os argumentos apresentados por escrito e oralmente pelo general da ativa, como consta na nota.

Não ficou caracterizada a prática de transgressão disciplinar, segundo o comandante. O procedimento foi arquivado.

Já na semana passada, militares que integram o governo passaram a enxergar uma possibilidade de Pazuello não ser punido pelo Exército, a partir de uma interpretação do regulamento disciplinar da Força: a manifestação do ex-ministro da Saúde não teria sido sobre assunto de natureza político-partidária.

Na defesa formulada, como resposta ao procedimento aberto pelo Exército, Pazuello adotou a mesma linha. O ato do qual participou não teria sido político-partidário, segundo ele.

Bolsonaro, em uma de suas lives semanais, adotou o mesmo tom. Disse que o ato com motociclistas no Rio de Janeiro não teve viés político pelo fato de ele não estar filiado a nenhuma legenda.

“É um encontro que não teve nenhum viés político, até porque eu não estou filiado a partido político nenhum ainda. Foi um movimento pela liberdade, pela democracia e apoio ao presidente”, afirmou Bolsonaro.

Já integrantes do Alto Comando do Exército consideraram descabida a participação de Pazuello na manifestação política no Rio. Eles disseram, reservadamente, ver com clareza a ocorrência de transgressão disciplinar e pressionaram tanto pela punição quanto pela transferência do ex-ministro para a reserva. No fim das contas, aceitaram a decisão do comandante.

O ex-ministro da Saúde é um dos principais alvos da CPI da Covid, por ter comandado a pasta durante o agravamento da pandemia no país. Ele prestou depoimento ao colegiado, quando blindou o presidente Bolsonaro, e foi reconvocado.

Pesquisa Datafolha realizada em maio mostrou que a maior parte da população rejeita a nomeação de militares para cargos no governo federal. Segundo o levantamento do instituto, 54% dos entrevistados são contrários à presença dos fardados nesses postos, ante 41% que são favoráveis.

Promessa de campanha de Bolsonaro, a indicação de militares para ministérios e outros cargos de relevância atingiu na atual gestão níveis inéditos desde o fim do regime militar, em 1985.

FONTE: FOLHAPRESS