Sidney Miller: O poeta popular que brilhou tanto quanto Chico Buarque

Em 18 de abril de 2024, Sidney Miller completaria 80 anos. Um dos maiores poetas da música popular brasileira, ele foi comparado a Chico Buarque por seu talento literário e sensibilidade narrativa. Apesar de sua carreira breve e trágica, sua obra permanece como uma das mais ricas e sofisticadas da MPB, marcada por letras que transitam entre o lirismo, a ironia e a profunda reflexão sobre o Brasil.

Nascido no bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, em 1944, Sidney Miller começou a compor ainda adolescente, influenciado pelo samba e pela bossa nova. Seu primeiro grande êxito veio em 1967, quando venceu o Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com A Estrada e o Violeiro, superando nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

A canção, interpretada ao lado de Nara Leão, revelava seu domínio da palavra e sua capacidade de criar imagens poéticas que dialogavam com a tradição e a modernidade. Como Chico, Miller era um cronista musical, capaz de transformar histórias simples em pequenas obras-primas.

Seu primeiro disco, “Sidney Miller” (1967), já mostrava a maturidade de um compositor excepcional. Em “O Circo”, ele retratava a vida dos artistas com uma mistura de encantamento e melancolia: “Faço versos pro palhaço, que na vida já foi tudo / Foi soldado, carpinteiro, seresteiro, vagabundo / Sem juiz e sem juízo, fez feliz a todo mundo / Mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria / Todo encanto do sorriso que seu povo não sorria.”

Do Guarani ao Guaraná

Já em “Brasil, do Guarani ao Guaraná” (1968), ele mergulhou numa espécie de “antropofonia” musical, misturando samba, marchinhas e referências à cultura popular. “Pois É, Pra Quê?”, uma de suas canções mais célebres, trazia um tom existencialista e crítico: “O calor aumenta, a família cresce / O cientista inventa uma flor que parece / A razão mais segura pra ninguém saber / De outra flor que tortura, pois é, pra quê”.

Em 1974, Miller surpreendeu com “Línguas de Fogo”, um disco que abraçava o rock progressivo e a psicodelia, sem abandonar sua essência poética. Produzido com a ajuda de Toninho Horta, o álbum trazia perguntas filosóficas em canções como a faixa-título: “Pra onde vai o som depois que o escutamos? / Pra onde vai a voz que vem de nós? / Pra onde vamos?”. Era um artista em constante evolução, sempre buscando novas formas de expressão.

Mestre da palavra

Sidney Miller morreu precocemente, em 1980, aos 35 anos, vítima de um infarto. Deixou uma obra pequena em quantidade, mas imensa em qualidade. Artistas como Paulinho da Viola, Joyce Moreno e Jards Macalé gravaram suas canções, mantendo sua memória viva.

Assim como Chico Buarque, Miller era um mestre da palavra, um poeta que sabia transformar o cotidiano em arte. Seu nome merece estar entre os grandes da MPB, e sua música continua a resplandecer, como um violão solitário na estrada da vida.

“Ouça bem o que eu lhe digo: vá cantar um samba antigo / Pra entender o que há de novo”, disse ele em “Argumento”. Que Sidney Miller seja sempre lembrado, nunca como um “rival” de Chico, mas como um dos mais originais e profundos compositores que o Brasil já teve.

Por Juscelino Taketomi — jornalista e escritor