“SEGURANÇA PRIVADA”: MEU PRIVILÉGIO

Sou negro e me sinto privilegiado quando entro em um ponto comercial da cidade de João Pessoa. Sou sempre acompanhado por seguranças. Caso eu passe por uma situação de perigo nas ruas, basta entrar numa loja e serei salvo.

O olhar seletivo do vigilante torna-se automático nas minhas entradas. A segurança para mim é privativa. Eles me seguem por cada corredor. E o melhor: disfarçam que mexem nas prateleiras, para ninguém desconfiar que ele é meu segurança privado. Isso é maravilhoso. Mesmo o vigilante sendo negro, ele me segue. Afinal, sou uma autoridade para ele e mereço ser seguido.

Na saída sou acompanhado até a saída da loja pelo mesmo segurança ou por outro que recebeu uma mensagem via rádio, dizendo: “acompanhe a autoridade”. Isso me alegra bastante.

Onde ficam os vendedores? Também me privilegiam. Quando quero comprar algo mais caro, eles logo dizem: “olha, tem essa mercadoria na promoção”. Na visão de grande parte dos vendedores, negro não tem dinheiro para comprar algo que não seja da promoção.

Estudiosos se balizaram ao longo do tempo para analisar esse meu privilégio.

Cesare Lombroso (criador da antropologia criminal), em sua obra “O HOMEM DELINQUENTE”, diz que é muito fácil definir um criminoso: “ele tem cabelos crespos, crânio deformado, barba escassa, dentes caninos bem desenvolvidos”. Sou eu. E, para definir a criminosa: “bastaria ver se ela detém traços de masculinidade, voz grossa, verrugas e pelos corporais”.

Como definir uma pessoa por padrões estereotipados e preconceituosos por meio de uma teoria que remonta 1876? Como essa teoria tem a capacidade de rotular alguém em um perfil criminal apenas pela aparência? Alguém está estigmatizado apenas pelo fato de sua pele não ser branca. O negro adentra na teoria do criminoso nato. Hoje, no Brasil, dois em cada três detentos são negros.

Marquês de Beccaria, em sua obra “DOS DELITOS E DAS PENAS” entende ser necessário acabar com a “nuvem escura das leis”.

Phillipe Carvalho nos diz que “o sistema penal se dirige quase sempre contra certas pessoas mais que contra certas ações”.

Muitos analisam, mas espero que a legislação não revogue minha segurança privada, afinal, estou num ambiente favorável para o alastramento de diversas formas de atuação do estado brasileiro desde o seu descobrimento. Ser negro é ter a “personalidade duvidável e de risco”. 

Haveria nesta dicotomia de segurança privada, paridade numa aritmética? A aritmética é uma função que atribui aos números pares o valor +1 e aos números ímpares, o valor -1. Aritmética é uma igualdade de duas razões. Ocorre igualdade entre negros e brancos.

Estaria eu numa matéria jocosa? Ávida? Somítica? Estroina? 

Talvez subliminar como percebido com profundidade por James Vicary. 

Cabe a cada pessoa analisar o que de bom tirar dessa “segurança privada” e quais armas usar no comando da sociabilidade e da incolumidade física.

Josivaldo Santiago — Jornalista e escritor