Reeleição e Mandato Único: Reforma ou Contradição?

Em maio deste ano, o Senado Federal aprovou, na Comissão de Constituição e Justiça, a PEC 12/2022, que propõe o fim da reeleição para cargos do Poder Executivo — prefeitos, governadores e presidente da República — e a ampliação dos mandatos de quatro para cinco anos. O texto também prevê a unificação das eleições em todo o país, de forma que, a partir de 2034, todos os cargos sejam disputados no mesmo pleito.

A proposta tem como objetivo declarado promover maior equilíbrio institucional e pôr fim ao que muitos consideram uma distorção da reeleição, criada em 1997. Contudo, uma emenda de transição apresentada no Senado acabou abrindo espaço para que prefeitos eleitos em 2020 e reeleitos em 2024 possam disputar novamente em 2028. Ainda que apresentada como exceção técnica, essa possibilidade desperta questionamentos legítimos sobre o alcance e a coerência do projeto.

Ao mesmo tempo em que busca fortalecer o princípio da alternância de poder, a proposta cria um cenário que, em certos contextos, pode ter efeito inverso: prolongar a presença de grupos políticos já estabelecidos e dificultar a renovação. A ampliação dos mandatos para cinco anos, embora pareça dar mais tempo à gestão pública, também pode gerar distanciamento entre o governante e o eleitor, reduzindo o ciclo natural de avaliação e renovação democrática.

Outro ponto que merece reflexão é a unificação das eleições. A ideia de realizar um grande pleito nacional pode até simplificar o processo eleitoral, mas traz consigo o risco de enfraquecer o debate local e de concentrar ainda mais o poder nas estruturas partidárias de maior alcance. Em um país de dimensões continentais como o Brasil, a diversidade regional é um valor a ser preservado também na política.

No tocante ao Poder Legislativo, vale ponderar que a manutenção da reeleição não é, por si só, um problema. O que merece reflexão é a dificuldade de renovação que o atual sistema impõe. O modelo político brasileiro vem consolidando um amplo empoderamento parlamentar, especialmente por meio das emendas individuais e de bancada, que conferem aos legisladores significativa influência sobre a execução orçamentária. Esse poder, embora legítimo dentro das prerrogativas do mandato, reforça o capital político de quem já ocupa cargo eletivo, ampliando sua presença junto às bases e fortalecendo as chances de reeleição.

A esse cenário soma-se o FEFC (Fundo Especial de Financiamento de Campanha), que representa hoje a principal fonte de recursos para as disputas eleitorais. Na prática, os partidos tendem a destinar as parcelas mais expressivas do fundo aos parlamentares que buscam a reeleição, em detrimento dos novatos ou neófitos que tentam conquistar espaço no cenário político. O resultado é um ambiente de concentração de poder e desigualdade de oportunidades, em que a renovação se torna cada vez mais difícil. Assim, discutir alternância de poder sem enfrentar esse desequilíbrio estrutural é, no mínimo, uma reflexão que o país precisa fazer com serenidade e compromisso democrático.

O tema, por sua relevância, merece um debate amplo, sereno e desapaixonado. Reformar o sistema político é necessário, mas é preciso cuidado para que a solução proposta não acabe contrariando os próprios valores que pretende resguardar. A alternância de poder, mais do que uma regra, é um pilar da democracia e deve ser tratada com a seriedade que o tema exige.

Fábio de Souza Pereira — jornalista, professor e assessor jurídico na Justiça Eleitoral e    membro da ABRADEP