
Em meio à crescente judicialização do processo eleitoral, um tema merece atenção urgente: a aplicação da multa prevista no art. 33, § 3º, da Lei das Eleições ao cidadão comum por suposta divulgação de “pesquisa eleitoral não registrada”. A norma, embora legítima na origem, tem sido usada de forma desvirtuada, resultando em punições desproporcionais a eleitores que, na maioria das vezes, apenas compartilham conteúdos informais em redes sociais ou grupos de WhatsApp.
A lei exige que toda pesquisa destinada à divulgação pública seja previamente registrada na Justiça Eleitoral. No entanto, não é raro ver cidadãos penalizados com multas superiores a R$ 50 mil por compartilharem imagens ou gráficos sem qualquer método científico — muitas vezes, apenas enquetes ou “achismos” típicos do período eleitoral. O problema é que a Justiça, ao equiparar esse comportamento ao de empresas especializadas em pesquisa, ignora o contexto, a intenção e o alcance real dessas mensagens.
Não se pode tratar com o mesmo rigor quem atua profissionalmente na manipulação de dados e quem apenas expressa preferência ou comentário político em ambientes informais. O Direito Eleitoral, como instrumento de proteção da democracia, não pode se converter em ferramenta de repressão ao eleitor. Aplicar a literalidade da norma sem considerar o princípio da proporcionalidade é desvirtuar o próprio espírito da legislação.
A jurisprudência, inclusive, tem oscilado. Enquanto alguns Tribunais reconhecem que manifestações caseiras não têm potencial de manipular o processo eleitoral, outros têm condenado cidadãos com base em interpretações rígidas e descoladas da realidade social. Em um país onde a renda média mensal é de pouco mais de R$ 1.600, impor multas milionárias por atos sem dolo ou repercussão ampla é penalizar a ignorância e a espontaneidade — não a fraude.
É preciso reconhecer que essa norma foi pensada para coibir abusos de grandes grupos de mídia ou institutos de pesquisa, não para recair sobre o eleitor de bairro, de rede social, de grupo de família. Uma eventual atualização legislativa, inclusive, poderia prever sanção proporcional para casos de menor gravidade, nos moldes do art. 37, § 1º, da mesma Lei das Eleições, que trata da propaganda irregular e estabelece multa entre R$ 2.000,00 e R$ 8.000,00. Vale lembrar que o art. 33, § 3º, da Lei nº 9.504/97 tem a seguinte redação: “A divulgação de pesquisa sem o prévio registro das informações de que trata este artigo sujeita os responsáveis a multa no valor de cinquenta mil a cem mil UFIR.” Esse patamar, convertido à moeda corrente, pode ultrapassar R$ 100 mil, revelando-se extremamente desproporcional quando aplicado a condutas informais e sem potencial lesivo relevante. Uma penalidade nos moldes do art. 37 seria menos injusta e mais adequada à realidade socioeconômica do eleitor comum, evitando que sanções milionárias recaiam sobre manifestações espontâneas.
Punir por compartilhar uma “pesquisa de bar” ou uma imagem de preferência política sem qualquer caráter técnico é, antes de tudo, uma violação à liberdade de expressão e à própria lógica democrática. O que se espera é que a Justiça Eleitoral reencontre o equilíbrio: firme com os fortes, justa com os frágeis.
No julgamento da Representação nº 0602012-43.2022.6.15.0000, o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba deu um importante passo nesse sentido. Reconheceu que a simples divulgação de um gráfico, em grupo fechado de WhatsApp, sem método estatístico, sem pretensão de alcance público e sem indícios de autoria profissional, não configurava infração ao art. 33 da Lei das Eleições. Para o relator, tratava-se de mera “enquete informal”, que não causava risco real ao equilíbrio do pleito. A decisão, além de acertada, serve como parâmetro de razoabilidade para outros julgamentos semelhantes.
Ademais, é preciso considerar que a sanção prevista na norma tem natureza repressiva e pedagógica. Quando aplicada de forma desmedida, especialmente contra cidadãos que não possuem influência midiática ou institucional, a multa perde seu caráter educativo e se transforma em punição puramente simbólica — e cruel. O Direito Eleitoral, como guardião da lisura das eleições, não pode se descolar da realidade social e econômica do eleitor brasileiro. Aplicar penas severas a manifestações espontâneas enfraquece a função garantidora da democracia que cabe à Justiça Eleitoral. Cabe, por isso, ao legislador refletir e propor a mitigação do dispositivo legal, adequando-o ao fato social em si e restabelecendo a proporcionalidade na aplicação das sanções eleitorais nesse caso aqui tratado.
Fábio de Souza Pereira é jornalista, mestre em Direito e professor de pós-graduação em Direito Eleitoral.
Breno Wanderley César Segundo é doutor em Sociologia, advogado, ex-juiz do TRE-PB, professor universitário e atual Secretário Executivo da Controladoria Geral do Estado da Paraíba.
Fontes:
TRE-PB – Rp nº 0602012-43.2022.6.15.0000
TRE-PA – RE nº 060002641.2024.6.14.0023
TRE-GO – RE nº 060011626.2024.6.09.0011
TRE-CE – RE nº 0600108-71.2020.6.06.0120
TRE-PI – Acórdão nº 0600004-56.2020.6.18.0021
TRE-PE – RE nº 0601235-40.2020.6.17.0043


