Na época de Dom Sérgio

Manaus anoiteceu triste. Choros e orações eram ouvidos pelo povo de Deus. Toques fúnebres dos sinos da Igreja Matriz anunciavam o fim de uma vida terrestre dedicada aos humildes e à busca incansável da fraternidade.

Ainda jovem encontrou nas palavras de Jesus Cristo a luz de sua vida, o caminho a seguir e o conteúdo de suas pregações e ações contra o ódio, o autoritarismo, a intolerância e a exclusão social. Sua vida foi dedicada a lutar pela construção de um mundo melhor, um novo tempo, por um sonho onde reinasse a igualdade social e a justiça aos necessitados.
Inteligente, solidário e vocacionado à vida religiosa, deixou o amor do lar familiar e ingressou no mundo real pronto para cumprir as missões de um padre católico e disseminar as palavras e as obras de Deus Salvador. Seu ideal de vida religiosa era trazer a reflexão dos cristãos sobre suas vidas, obras e demonstrar que Deus está presente em cada um e em todos os humanos.

Ouvia muito antes de falar. Tinha sempre uma palavra de esperança e de conforto. Olhava a todos com atenção, sempre vendo um horizonte próspero.

Depois da juventude, foi estudar distante do Brasil, mas nunca deixou de pensar no seu povo, na sua gente e na vida difícil das pessoas. Sempre fez amizades de fé e de coração.
Chegou à Amazônia para nunca mais sair. A imensidão dos rios, as flores, os animais e os povos o encantaram. Gostava de viajar de barco, visitar os ribeirinhos, conversar sobre o cotidiano dos amazônidas, os costumes e as crenças dos povos da floresta.

Passava dias andando nos seringais, nas roças, nas comunidades tradicionais e nas igrejas dos interiores da Amazônia. Viu de perto os conflitos de terra na região, reagiu contra a pobreza e a falta de políticas públicas. Batizou inúmeros acreanos, na cidade de Feijó.
Em Tefé, no Amazonas, enfrentou o medo que tinha dos banzeiros das águas dos rios para ir celebrar missas nas comunidades, compartilhar amor e interagir com os pescadores. Amava o lago dessa cidade.

Com o coração cheio de saudades e de esperança desembarcou em Manaus. A cidade de Nossa Senhora da Conceição, santa de devoção de Dom Sérgio Castriani.
Como arcebispo de Manaus esteve ao lado dos professores, mesmo durante as greves; ajudou a organizar o Comitê de Combate à Corrupção; levou alento espiritual aos moradores de becos e de localidades mais distantes. Um exemplo, foi sua ida até a comunidade Cidade das Luzes para rezar uma missa, exatamente num momento em que o local estava cercado por policiais.

Jamais negou apoio aos jovens e aos idosos, às mulheres, e sua crença de cunho humanista o fez abraçar os imigrantes haitianos, venezuelanos e os meninos em situação de rua. Conversava com os agnósticos que amam fazer bondades e mantinha respeito e carinho por todas as denominações religiosas.

Sabendo que estava perdendo força física, por conta do mal de Parkinson, ele renunciou o cargo de arcebispo para não prejudicar os trabalhos da igreja e da comunhão dos fiéis.
Porém, mesmo com dificuldades físicas ele seguia a sua missão cristã. Nem a pandemia era obstáculo. Escrevia artigos para jornais; enviou cartas aos governantes sobre a melhor forma de tratar o povo, e assinou um pedido de vacinação em massa num manifesto popular.

Dom Sérgio fará muita falta. Viveu o período de um país sem democracia, ficou feliz com a democratização do Brasil; formou na fé e na ética gerações de homens e mulheres, amou a todos como Jesus amou. Eu tenho orgulho de ter convivido com ele e de existir na época de Dom Sérgio Castriani.

*Carlos Santiago – Sociólogo, Analista Político, Advogado e Membro da Academia de Letras e Culturas da Amazônia – ALCAMA.