Família inclui “segundo pai” em registro de menina em Manaus

Muito mais que laço de sangue, família é também um sentimento. Por isso Janete, Renato, Charles e a menina Caroline decidiram que ela deve passar a ter dois pais em seu registro de nascimento. Caroline Vitória de Menezes Lima, 11, é fruto do relacionamento de Janete Oliveira de Menezes, 35, e Renato Neves Lima, 30, mas tem também como figura paterna Charles Heraldo, com quem convive desde os 4 anos de idade. É com Charles que Caroline divide o local onde moram e as atividades do dia a dia e a ele chama de pai. A família, então, procurou a Defensoria Pública para formalizar um acordo de reconhecimento de paternidade socioafetiva.

O desejo da família de Caroline pode ser realizado com base no Provimento nº 63 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 14 de novembro de 2017, que dispõe sobre o reconhecimento voluntário e a averbação da paternidade e maternidade socioafetiva, entre outros.

O provimento do CNJ considera a possibilidade de reconhecimento voluntário da paternidade perante o oficial de registro civil das pessoas naturais e, ante o princípio da igualdade jurídica e de filiação, de reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade socioafetiva. A legislação também considera o fato de que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios (Supremo Tribunal Federal – RE n. 898.060/SC).

“A família procurou a Defensoria para fazer um acordo de reconhecimento de paternidade socioafetiva. Assim, poderão incluir o nome do pai socioafetivo no registro da menina sem excluir o do pai biológico”, explica a defensora pública Carolina Carvalho, coordenadora da área de Família da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM).

A defensora explica que, dessa forma, o pai biológico têm mantidos todos os seus direitos e deveres em relação à filha e o pai socioafetivo passa a ter os mesmos direitos e deveres.

O acordo formalizado via Defensoria no dia 1º de agosto foi homologado pela Justiça no último dia 5 de agosto. De posse da decisão judicial, a família poderá procurar o cartório para fazer a alteração no registro de Caroline.

Janete conta que leu sobre a possibilidade de incluir o pai socioafetivo no registro de sua filha em um site e decidiu conversar com o pai biológico e com seu atual companheiro. “Como já tinha um relacionamento bom com o pai biológico e já era um desejo do pai socioafetivo, decidimos procurar a Defensoria para fazer o acordo. Somos maduros, conversamos e decidimos”, afirma.

Janete também explica que nunca fez alienação parental para depreciar a imagem do pai biológico para a menina e que sempre conversou com a filha para que ela entendesse que os ela e Renato se separaram, mas que ele não deixou de ser seu pai.

Renato, por sua vez, diz que vem pagando a pensão alimentícia a que a menina tem direito e cumprindo com suas obrigações, apesar de ter perdido por um tempo o contato com a filha, logo após a separação. “Ela chama ele de pai, mas me reconhece também. Só que a afinidade que ela tem é mais com ele, que convive no dia a dia”, diz.

O pai biológico conta que a conversa sobre o reconhecimento dos dois pais foi amigável e que todos pensaram primeiro no bem de Caroline. Que, com a alteração no registro passa a ter também direitos adquiridos das duas partes paternas, como herança e plano de saúde, por exemplo.

“Para mim, é tranquilo. Eu penso nela. Se ela gosta dele, chama ele de pai, seria muito egoísmo da minha parte não aceitar”, pondera Renato.

Requisitos

Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil.

Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.

O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido.

Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento.

A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado.

Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local.

O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento.

O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica.

O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais.

O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação.