Estudo aponta que barcos ajudaram a ‘espalhar’ o Covid-19 no interior do AM

Pesquisa aponta a relação entre a difusão do vírus em municípios com o fluxo de viagens fluviais.

A dinâmica do transporte fluvial na região, por meio de embarcações de passageiros (de recreio ou “de linha”, como conhecidos na região), que são o principal meio de transporte intermunicipal, pode ajudar a explicar a difusão do vírus SARS-CoV-2 para o interior, que responde por mais da metade dos casos de Covid-19 registrados no Amazonas.

A análise foi publicada no Boletim Especial Covid-19 nº 7 do Atlas ODS Amazonas, que trouxe como tema “A Economia e o Metabolismo Urbano em Tempos de Pandemia”, um esforço para compreender as transformações ocorridas no Amazonas por ocasião da pandemia.

Os boletins reúnem resultados de pesquisas de ponta de instituições acadêmicas locais.

“Essas observações sugerem que, como poderia ser previsto, um maior número de viagens partindo de Manaus pode aumentar a probabilidade de difusão da doença do epicentro da pandemia para outra região, assim como provocar a inserção de mais indivíduos contaminados na cidade de destino, produzindo uma aceleração da progressão da pandemia naquela determinada população. Isso também explicaria a ‘precocidade’ da difusão da pandemia e elevada taxa de incidência em municípios distantes de Manaus como Santo Antonio do Içá (distante 881 quilômetros da capital) e Tonantins (872 km). Também poderia explicar por que a difusão e a progressão da pandemia em outros municípios igualmente distantes, como Itamarati (985 km) ou mais próximos como São Sebastião do Uatumã (247 km) tenham sido mais lentas”, informa o estudo.

Para verificar tal hipótese, os números de viagens e de passageiros partindo de Manaus com destino a cada um dos municípios durante o mês de abril, com dados fornecidos pela Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados e Contratados do Estado do Amazonas (Arsepam), foram comparados (por análises de regressão multivariada múltipla linear) com o tempo até o surgimento do primeiro caso (em dias desde o primeiro caso no Amazonas), o total de casos e o índice de infecção populacional (casos por 10 mil habitantes) registrados até 18 de maio em cada cidade de destino.

O indicador “número total de viagens” foi a variável que se mostrou melhor correlacionada com os padrões de difusão e progressão da doença nos destinos.

Quanto menor o número de viagens, mais tempo decorreu entre o surgimento do primeiro caso diagnosticado no município. Pela escassez de dados, conforme o estudo, assume-se que a intensidade do fluxo em abril tenha seguindo padrão semelhante de meses anteriores.

“Era um resultado esperado, mas os dados estão aí para corroborar essa hipótese. Como foi aventado e inclusive motivo de medida de restrição no transporte, Manaus é um epicentro da pandemia e ‘doa’ portadores da doença a outras populações virgens, quer dizer, que não tinham doentes. Essas são informações que consideramos importantes para demonstrar a todos e aos tomadores de decisão, que as medidas de isolar e proteger as populações dos municípios do interior implicava em reduzir drasticamente as saídas de passageiros de Manaus, epicentro da pandemia”, alerta o professor Henrique dos Santos Pereira, coordenador geral de pesquisa do Atlas ODS Amazonas.

Aeroporto teve queda de 91,7%

O Boletim Especial Covid-19 nº 7 sobre “A Economia e o Metabolismo Urbano em Tempos de Pandemia” também mostrou que o número de passageiros no Aeroporto Internacional de Manaus Eduardo Gomes apresentou uma redução de 21,7% no mês de março e de 91,7% em abril, relativas aos mesmos períodos em 2019 segundo dados apurados pelos pesquisadores junto a Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (Infraero).

De acordo com o professor Henrique Pereira, da Ufam, os dados são uma indicação, além da mobilidade, também econômico, “pois são menos viagens acontecendo, sendo a maioria delas a negócio, como geralmente ocorrem”.

Indicadores do AM

O projeto Atlas ODS Amazonas reúne, em uma plataforma de visualização de dados, um conjunto de dados e indicadores sobre os municípios amazonenses, os quais determinam o status das metas presentes em cada um dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU.

Governo fez 305 fiscalizações

Ao ser questionado pela reportagem sobre quais as ações que estão sendo feitas junto às embarcações neste período de pandemia, o Governo do Estado informou que a Arsepam realiza fiscalizações diariamente nos principais pontos de embarque da capital.

Estão autorizados por decreto, apenas passageiros em situação de urgência e emergência, moradores em retorno aos seus domicílios e trabalhadores de serviços essenciais, desde que autorizados pelo município. A lista de passageiros deve ser enviada por ofício.

Foram realizadas 305 fiscalizações nos pontos de embarque de Manaus (Rodway, Manaus Moderna, Ceasa, Escadaria dos Remédios e Porto São Raimundo).

Desde a publicação do decreto já foram apuradas mais de mil denúncias de transporte e portos clandestinos, informou o Governo via Secretaria de Comunicação do Estado (Secom).

Duas embarcações de grande porte foram impedidas de partirem por lotação e duas de pequeno porte foram reconduzidas à capital com mais de 40 passageiros. Um dos condutores foi encaminhado ao 19° Distrito Integrado de Polícia (DIP). As fiscalizações ocorrem em parceria com a Delegacia Fluvial, da Polícia Civil do Amazonas (PC-AM), e Marinha do Brasil, informou a Secom.

Reportagem: Paulo André Nunes/A Crítica