A radiação que vem do espaço é uma ameaça para nossos instrumentos eletrônicos, como satélites de comunicação e componentes de naves espaciais. Esse “inimigo” é invisível e chega sem nenhum aviso, pois os cientistas ainda não podem prever quando rajadas solares mais intensas chegarão à Terra. Para complicar ainda mais, há uma anomalia na região sul do Oceano Atlântico que torna essa ameaça ainda mais perigosa.
Embora o fenômeno conhecido como Anomalia Magnética do Atlântico Sul (SAA, do inglês South Atlantic Anomaly) seja monitorado por agências espaciais, como a NASA, alguns instrumentos científicos já foram prejudicados, e satélites foram levados à perda total. Um deles foi o satélite astronômico de raios-X Hitomi, da Agência de Exploração Aeroespacial do Japão (JAXA). Todos os satélites que passam sobre a anomalia estão suscetíveis aos efeitos da radiação. Mas que anomalia é essa, afinal?
Entre 700 e 10mil km de altitude, existe uma região chamada Cinturão de Van Allen, onde ocorrem vários fenômenos atmosféricos devido a concentrações de partículas no campo magnético terrestre. Essas partículas, por sua vez, são o resultado de fenômenos como os ventos solares. Ao interagir com o campo magnético — que é a “bolha” de proteção da Terra —, a radiação não nos atinge diretamente. Entretanto, a anomalia cria uma espécie de cavidade invisível que aproxima o cinturão de Van Allen da superfície terrestre.
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Com essa estranha aproximação, que ocorre perto da América do Sul, o campo magnético, responsável por repelir a radiação solar antes que ela chegue na Terra, faz um “mergulho”. O resultado é que a radiação solar consegue chegar muito mais perto da superfície da Terra do que gostaríamos, entrando até mesmo nas mesmas altitudes de satélites e da Estação Espacial Internacional. Sinais de satélites na órbita terrestre podem ser interrompidos e dados de instrumentos científicos são afetados quando transmitidos nessa região.
O que causa a anomalia na magnetosfera?
A SAA é o resultado de um deslocamento do centro do campo magnético terrestre, que ocorre em relação ao centro geográfico. Acontece que o campo magnético da Terra é o resultado de um processo chamado geodínamo, ou seja, conforme o ferro derretido se espalha ao redor da parte externa do núcleo do planeta, correntes elétricas massivas são geradas. São essas correntes que criam e reforçam o campo magnético da Terra, que por sua vez forma a magnetosfera — a região onde o campo magnético interage com as partículas emitidas pelo Sol.
Parte dessas partículas fica presa no Cinturão de Van Allen, que é formado por duas camadas localizadas simetricamente em torno do eixo magnético da Terra. Só que esse eixo também se desloca devido ao movimento do ferro derretido no núcleo terrestre, ou seja, os polos magnéticos Norte e Sul não ficam perfeitamente alinhados com os polos geográficos, nem com o eixo de rotação do planeta. O resultado é que a distância do Cinturão de Van Allen varia de altitude ao redor do globo.
Assim, atravessar a área da SSA é um perigo constante para os satélites na Baixa Órbita Terrestre. Além da JAXA, que perdeu o Hitomi, a empresa Globalstar também teve dificuldades ao passar pela região, sofrendo com a perda de vários de seus satélites de primeira geração. Em ambos os casos, o motivo da perda dos instrumentos é discutido até hoje, mas boa parte dos pesquisadores que investigaram os problemas associam o problema com danos causados por radiação durante a passagem pelo SAA.
O perigo espreita até mesmo as naves espaciais de ponta, com a Dragon, da SpaceX, e a própria ISS. Todos experimentaram falhas e outros problemas ao passar pelo SAA. Por isso, as empresas evitam a região, ou desligam parte dos instrumentos ao atravessá-la. As caminhadas espaciais que astronautas realizam na ISS também são planejadas para que não ocorram durante a passagem da estação orbital sobre a área do SAA. Felilzmente, a ISS é equipada com tecnologias que protegem os astronautas — desde que eles permaneçam dentro da estação durante a passagem pela anomalia.
Por enquanto, não há maneiras de acabar com a SAA, ou mesmo proteger por completo todos os instrumentos da radiação solar. Equipar satélites e naves com tecnologias de proteção aumenta o peso das naves, o que acaba se convertendo em lançamentos mais caros. Então, resta evitar ao máximo atravessar a área da anomalia e, quando isso não é possível, desligar componentes não essenciais durante a passagem. Seja como for, à medida que os voos espaciais aumentam, fica cada vez mais urgente haver novas medidas para proteger investimentos e, principalmente, vidas humanas.