A VIAGEM

Vários dias se passaram e muitos não se acostumam com a última viagem. A partida para o outro lado não pode e não deve ser encarada como o fim. O desespero e a saudade dos que aqui continuam não pode ser eterno. A vida continua. A saudade torna-se eterna. A ferida não cura. Jamais!

Os compositores Eduardo Dutra Villa Lobos e Renato Russo, na música “Love in the Afternoon” (Banda Legião Urbana), falam que “é tão estranho, os bons morrem jovens. Assim parece ser quando me lembro de você que acabou indo embora, cedo demais”. Não interessa se partiu aos 120 anos de idade. Ele foi cedo demais. O tempo para nós é o presente. A lembrança é presente. Embora seja de um fato pretérito, ela é presente.

O Legião Urbana continua, dizendo: “Eu continuo aqui, meu trabalho e meus amigos”. E devemos continuar aqui, sim. O sol aparecerá no próximo, no próximo e no próximo dia, repetidas vezes, infinitamente. 

 

E o que sinto eu não sei dizer”. Só sei que conservo um pesar do meu familiar, meu amigo, meu companheiro, minha companheira, sob um manto que me cobre e jamais me depara. Posso chorar? Deve. 

“Até a próxima vez”. Segundo Santo Agostinho, estamos num imenso trem nos últimos vagões. A cada curva, não conseguimos ver a parte da frente do trem. Nova reta vem e novamente vemos. As pessoas que se vão cedo demais partem para os vagões frontais. Ficamos nos últimos vagões para, mais tarde, ocuparmos os primeiros vagões. 

Só não aprendi a perder”. Não sabemos perder. E a perda, de um simples objeto nosso, já nos causa problema, imagina a perda de um familiar. Precisamos aprender que não é perda. E sim uma simples viagem de alguém que viajou cedo demais.

Lembro das tardes que passamos juntos”. Uau. Como lembro. Tardes com um chá, um café, uma boa conversa. Perdemos essas tardes. Mas gostosa lembrança fica num alicerce infinito que jamais esquecemos.

… você está bem agora. Só que este ano o verão acabou cedo demais”. E o outono, o inverno, a primavera. Os anos vão se passando. A saudade vai se acalmando, acalmando. Nossos corações partem para uma leveza de uma boa saudade. A saudade de dizer: fostes cedo demais, mas o suficiente para eu poder conviver com alguém que me deixou ensinamentos que usarei até o dia que eu também for cedo demais para o vagão da frente.

Josivaldo Santiago — Jornalista e Escritor