A problemática da notória especialização nos julgamentos da inexigibilidade de licitação

A população brasileira como um todo e em especial a paraibana, espera dos seus governantes eleitos por meio do voto direto, a responsabilidade, a eficiência e uma boa conduta nos modos de conduzir as receitas e despesas do estado. Todo o dinheiro arrecadado pelo governo seja de impostos que pagamos, quando, por exemplo, compramos alguma mercadoria, seja de taxas e contribuições, são destinados a custear a máquina estatal.

Preocupados com o destino a ser dado aos impostos e taxas, a nossa lei máxima (Constituição Federal de 1988) nos revelou que todo administrador público que arrecade, utilize dinheiro público, deve prestar contas a um órgão denominado Tribunal de Contas. Este órgão é responsável por fiscalizar as receitas e despesas de quem utilize, arrecade ou gaste recursos do estado.

No entanto, a Constituição Federal por si só não consegue abarcar todos os pontos a serem alcançados dentro de um estado de direito. Baseado nesse fato é dado à lei infraconstitucional estabelecer, detalhar parâmetros que possam exprimir de forma minuciosa como o administrador público poderá agir no seu dia a dia, visto que ele só pode fazer o que está escrito na lei. Se não está escrito na lei, o que ele vier a fazer é ilegal e cabe penalidade para tal ato.

O legislador, então, nos deu de brinde a Lei 8.666/93, com o objetivo de regulamentar o artigo 37 da Carta Magna e com a finalidade de instituir normas para licitações e contratos da administração pública. 

Visto sob este prisma, quem quiser contratar com a administração pública deve se submeter a um processo chamado licitação. O particular entra em um processo aonde apresenta os seus documentos ao órgão público contratante, sejam estes documentos pessoais ou empresariais e concorre a fazer determinado trabalho/atividade ou venda de materiais para o estado. De acordo com a proposta apresentada o particular pode contratar ou não com o setor público. Alguns requisitos são essenciais, como estar em dia com suas obrigações, exemplo impostos estatais, e, ainda, mostrar que tem condições de executar aquela obra a que se dispõe fazer.

Fruto dessa preocupação, o art. 25, § 1º da Lei 8.666/93, com a alteração dada pelo art. 5º, XX da Lei 14.333/2021 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos) assim define notória especialização: qualidade de profissional ou de empresa cujo conceito, no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiência, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica ou outros requisitos relacionados com suas atividades, permite inferir que o seu trabalho é essencial e reconhecidamente adequado à plena satisfação do objeto do contrato.

Estaria o estado apto a contratar o profissional/empresa cujo conceito se enquadra como de notória especialização? A questão é bastante controversa e há julgados com posicionamentos bastante divergentes.

O profissional/empresa a ser considerado nesta pesquisa são o Advogado e o Contador visto serem os profissionais com maior número de contratações por meio da inexigibilidade de licitação. Poderíamos ainda pensar porque não contratar com o devido concurso público de provas ou de provas e títulos que seria a forma mais eficaz para contratar um profissional na atividade pública. A realidade é que usualmente encontramos o instituto de inexigibilidade sendo usado para tal prática de contratação.

A contratação com o dinheiro do povo deve, antes de mais nada, respeitar a decisão popular e respeitar os ditames da legislação pátria, para tanto, o administrador deve atuar em harmonia com aquilo que a população espera, manifestando-se em suas decisões, de forma clara e contratando não apenas o melhor profissional/empresa, mas, também, obedecendo à Lei 8.666/93 (alterada pela Lei 14.133/2021).

Oportuno indagar se é legal a Administração Pública contratar um profissional ou empresa da área de contabilidade/advocacia sem o devido processo licitatório exigido por meio da Lei 14.133/21 apenas por questão da notória especialização, como ainda, saber se não estaria a lei das licitações sendo benevolente com os que detêm nome no mercado e deixando os novos advogados e contadores à mercê dos grandes escritórios.

O assunto é bastante relevante para futuros estudos, pois tende a observar o posicionamento dos diversos administradores públicos no vasto território brasileiro, respeito do tema, principalmente porque agregará estima jurídica aos estudiosos do tema.

O tema tem causado diversas decisões conflitantes e entendimentos os mais diversos. 

Vejamos decisão do Tribunal de Justiça do Paraná ao anular resolução do tribunal de Contas desse estado ao impugnar contrato firmado entre a administração pública e advogado, dispensada a licitação:

“MANDADO DE SEGURANÇA. RESOLUÇÃO – TRIBUNAL DE CONTAS – LICITAÇÃO – SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – INEXIGIBILIDADE – PRESSUPOSTOS: NATUREZA SINGULAR E PROFISSIONAIS DE NOTÓRIA ESPECIALIZAÇÃO – LEGISLAÇÃO – DIREITO LÍQUIDO E CERTO – ATO ILEGAL – CONCESSÃO. Contrato de prestação de serviços de advocacia junto ao Tribunal Superior do Trabalho. Natureza singular e profissional de notória especialização. Inviabilidade de competição e enquadramento Inexigibilidade de processo licitatório. Análise do conjunto de leis que regulam a matéria. Goza a autoridade administrativa de poder de escolha entre profissionais com iguais requisitos de capacitação considerada a área específica de atuação e necessidade do contratante. Resolução ilegal e constrangedora” (Mand. Seg. 028860-4, Rel. Des. Martins Ricci – Julg. 18.11.94).”

Como se percebe do exemplo dado a natureza da contratação era trabalhista. Entendeu o Tribunal de Justiça do Paraná que a contratação consistia em natureza singular.

Assim entendeu o STF:

1.A presença dos requisitos de notória especialização e confiança, ao lado do relevo do trabalho a ser contratado, que encontram respaldo da inequívoca prova documental trazida, permite concluir, no caso, pela inexigibilidade da licitação para a contratação dos serviços de advocacia.

2.Extrema dificuldade, de outro lado, de licitação de serviços de advocacia, dada a incompatibilidade com as limitações éticas e legais da profissão (L. 8.906/94, art. 34, IV; e Código de Ética e Disciplina da OAB, ART. 7º).”

O então Ministro do STF, Eros Grau assim instrui:

“Permanecem alguns Tribunais de Contas a sustentar que apenas se manifesta notória especialização quando inexistam outras empresas ou pessoas capazes de prestar os mesmos serviços, além daquela à qual se pretenda atribuir aludida qualificação. Entendo, não obstante, que “serviços técnicos profissionais especializados” são serviços que a administração deve contratar sem licitação, escolhendo e contratando, em última instância, de acordo com o grau de confiança que ela própria, administração, deposite na especialização desse contratado. É isso, exatamente isso, o que diz o direito positivo, como adiante demonstrarei. Vale dizer: nesses casos, o requisito da confiança da administração em quem deseja contratar é subjetivo, logo, a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à administração para a escolha do “trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato”,(cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/93). Há por certo, quem não goste disso. Mas é isso o que define o direito positivo, apesar do desconforto que possa causar em quem quer que seja, movido pela aspiração de substituir o direito vigente por outro. Até que isso venha a ocorrer, contudo, revolucionariamente ou não, o direito vigente não pode ser desacatado.”

Contendas e espertezas à parte, a sociedade precisa compreender que a administração pública, pode, sim, contratar advogados de forma direta, por meio do instituto da inexigibilidade de licitação, desde que o serviço tenha relevância e goze de natureza corriqueira.

Há necessidade de o advogado ou contador se sobressair num ramo específico do direito, o que decorre a inviabilidade da competição tendo em vista as normas que regem o Código de Ética da OAB.

Diante do que foi explanado pode-se chegar à conclusão de que a administração pública pode, sim, contratar advogados e contadores de forma direta, a partir da inexigibilidade de licitação, desde que o serviço seja de natureza corriqueira e de relevância.

Não importa que haja diversos profissionais especializados naquela matéria, a contratação do profissional, de forma direta, baseado na notória especialização, consiste em que o mesmo se sobressai naquele ramo do direito ou da contabilidade.

Poder-se-á, ainda, justificar a inviabilidade da competição, tendo em vista as normas éticas, estatuídas no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil. 

Seria, também, inexequível a competição em virtude do alto grau de subjetividade do contratante, tendo em vista o fator confiança do futuro contratado, o que, via de regra, induz à inexigibilidade da licitação.

Josivaldo Santiago — Jornalista e Escritor