
De início, cumpre ressaltar que a presença de mulheres nos espaços de poder político no Brasil é, ainda hoje, desproporcional à sua participação na sociedade. Nesse norte, é impossível não rememorar a trajetória de Carlota Pereira de Queiróz, a primeira deputada federal eleita no país e, não por acaso, a única mulher a integrar a Assembleia Nacional Constituinte de 1934.
Filha de tradicional família paulista, Carlota nasceu em São Paulo no ano de 1892. Formou-se médica em 1926, quando a presença de mulheres nos cursos superiores ainda era uma exceção. Atuando na área de pediatria e saúde pública, destacou-se por seu compromisso com os temas sociais e com a educação de base. Não tardou para que sua atuação profissional despertasse o desejo de contribuir também com o debate político-institucional do país.
É bem verdade que sua candidatura em 1933 foi um divisor de águas. Eleita pelo Partido Constitucionalista de São Paulo, sua atuação na Constituinte foi marcada por seriedade, preparo técnico e fidelidade às pautas da educação e da saúde pública. Carlota não se enquadrava no perfil tradicional das sufragistas, tampouco adotava um discurso feminista militante. Entretanto, como bem pontuam estudiosos da história política brasileira, sua presença naquele parlamento representava, por si só, um ato político e um enfrentamento simbólico ao monopólio masculino do poder legislativo.
Na mesma vertente, observa-se que Carlota participou ativamente das comissões temáticas, notadamente da Comissão de Educação e Saúde, tendo sido responsável por relatórios técnicos e por propostas legislativas que influenciaram sobremaneira as políticas públicas da Primeira República. Era, como se diz hoje, uma mulher de vanguarda.
Com efeito, sua trajetória política se encerra em 1935, após notável contribuição ao Parlamento. Mas seu legado ultrapassou as fronteiras de seu tempo: abriu caminho para que outras mulheres pudessem, nas décadas seguintes, ocupar o espaço que historicamente lhes foi negado.
Por fim, necessário se faz registrar que a luta por mais mulheres na política não é apenas uma bandeira identitária, mas um compromisso ético com a democracia substantiva. A presença feminina nos espaços de decisão é pressuposto indispensável para que se alcance a paridade de gênero, conforme preconiza o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 da Agenda 2030 da ONU, que visa “alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas”.
É imperativo que o exemplo de Carlota Pereira de Queiróz seja rememorado não apenas como um feito histórico, mas como um chamado à responsabilidade coletiva por uma sociedade mais justa, representativa e igualitária. Nunca é forçoso lembrar que a democracia só se consolida quando há equidade de vozes — e disso não pode ser excluída a voz da mulher brasileira.
>>> Fábio de Souza Pereira é Professor, jornalista e assessor jus-eleitoral.


