Ministério Público suspeita de testemunha-chave do caso Marielle

Promotor que coordena força-tarefa criada para investigar o crime vê contradições e inconsistências no depoimento que guia o inquérito © Marcelo Sayão/EFE

Quase três meses depois do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes, a principal linha de investigação da polícia sobre o crime está sob suspeita. Coordenador da força-tarefa criada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para acompanhar o caso, o promotor Homero Freitas Filho afirmou a VEJA ter dúvidas sobre a validade do depoimento de uma testemunha-chave que procurou a polícia com a versão de que um miliciano e um vereador, Marcello Siciliano (PHS), tinham interesse na morte da parlamentar.

O delator é um policial militar que confessou ter integrado uma milícia que atua em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio, e é chefiada pelo ex-PM Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando de Curicica, que está em presídio federal. Segundo a testemunha, Orlando e Siciliano encontraram-se por pelo menos quatro vezes, ocasiões em que teriam armado a morte da vereadora. A motivação seria a atuação de Marielle em áreas dominadas pela milícia e sob influência de Siciliano. Para o promotor, as declarações não podem ser descartadas, mas devem ser vistas com “muita cautela”.

Na avaliação de Freitas Filho, o relato que passou a nortear a apuração “não tem coerência”, porque o trabalho desenvolvido pela vereadora em Jacarepaguá era “incipiente” e não justificaria sua morte. O promotor também disse estranhar outra versão do delator: a de que ele teria sido obrigado a trabalhar para Orlando, seu ex-rival na disputa de territórios. Mais um problema: a testemunha afirmou que o assassinato de um colaborador de Siciliano, Carlos Alexandre Pereira, menos de um mês depois do homicídio de Marielle, teria sido por queima de arquivo. Freitas Filho afirma que as investigações sobre esse crime não indicam relação alguma com a morte da vereadora.

A polêmica relacionada ao depoimento é ainda maior, envolve o papel exercido no caso por delegados da Polícia Federal e disputas entre vereadores por influência político-eleitoral em áreas em que há notória atuação de milicianos. De acordo com essa versão, a testemunha teria sido plantada para prejudicar o vereador Siciliano e, mesmo, dificultar a descoberta dos autores do crime. Nesse caso, a rivalidade de Siciliano não seria com Marielle, mas com outros dois políticos: o vereador Chiquinho Brazão e seu irmão Domingos Brazão, ex-deputado estadual e um dos conselheiros afastados do Tribunal de Contas do Estado por suspeita de corrupção. Regiões da Zona Oeste são reduto eleitoral de ambos. Siciliano e os Brazão têm desavenças, em particular na favela da Gardênia Azul – até o uso de um campo de futebol foi motivo de conflitos. O suplente de Siciliano, portanto seu eventual substituto em caso de afastamento, é Marcelo Piuí, aliado da família Brazão.

Ouvido pelo site de VEJA, o ex-deputado Domingos Brazão diz que conhece e tem “excelente relação” com Siciliano, a quem se refere como um “empresário e político de primeiro mandato”. “Por que eu me incomodaria com Marcello Siciliano? Você não pode dizer que um vereador de 13 mil votos possa incomodar alguém”, alfinetou. FONTE: VEJA