Nada a ver com o tão badalado sentimento cristão de amor e caridade em honra ao próximo. A Semana Santa, desde há muito tempo, mais parece um evento diabólico – uma festa pagã com louca corrida ao comércio em busca de produtos vendidos a fiéis incautos a preços estratosféricos.
Sim, bem-vindos à Semana Santa, a celebração onde a solidariedade dá sempre lugar à exploração descarada, à avareza, à mercantilização da fé – tudo em nome da Cristandade, tudo em nome de Jesus, “com Jesus e Deus no comando”.
Enquanto os sinos das igrejas ecoam anunciando um período de contemplação e generosidade, os preços nas lojas, mercados e supermercados aumentam como se tivessem sido ungidos por algum Demo infernal.
O chamado peixe nobre, nesta época, só pode ser comprado pelos mais abastados. O pobre compra piabas, ora pois. E o que dizer dos ovos de chocolate? São pintados com as cores da ganância, e cada mordida custa um pedaço da dignidade financeira de cada consumidor seja ele cristão, ateu ou coluna do meio.
Nesta data, lá nos cafundós amazônicos, os verdadeiros pescadores, aqueles que passam seus dias lutando contra as intempéries para levar alimento às mesas do povo e de suas famílias, são deixados à mercê da especulação e da exploração. Suas redes, instrumentos de trabalho honesto, tornam-se armadilhas onde são capturadas não apenas os peixes, mas também as esperanças e sonhos de uma vida melhor.
Paradoxo cruel
Nas ruas, os comerciantes, apóstolos da ganância, viram profetas do lucro, profanando o significado da Semana Santa. “Pão nosso de cada dia, dai-nos hoje… e paguem o preço exorbitante que estou cobrando, pois esta é a vontade do mercado em nome de Jesus e de Deus!”.
Nas sacristias, crentes tristes, com cara de paisagem, olham para o céu, questionando-se se este é realmente o espírito que deveria pairar sobre a dita Semana sagrada. Em vez da partilha e do cuidado com o próximo, o que se vê é uma festa para tubarões privilegiados, onde a mesa farta é reservada só para aqueles de bolsos cheios.
Por isso, a Semana Santa não passa de ironia e profanação, com a conivência de arcebispos, bispos, padres, freiras e pastores das igrejas de plantão A mensagem de amor e compaixão é substituída pela voracidade do comércio, dos lucros desmedidos, com os mandachuvas religiosos calados.
A Semana Santa é um paradoxo cruel: a data que deveria ser um símbolo de renovação espiritual se transforma em um festival de exploração econômica. O povo é obrigado a pagar o preço da sua fé com o suor do seu trabalho, ao passo que os mercadores enchem os cofres com moedas manchadas de egoísmo.
Vale, então, refletir sobre o real sentido da Semana Santa: é ou não é uma farsa travestida de devoção em que os únicos crucificados são os bolsos vazios dos que buscam a essência da fé em meio ao caos da ganância sem limites?
E o chocolate, hein?
Ah, convém lembrar que a Semana Santa é uma data de muito chocolate na fantástica Páscoa de Jesus – uma combinação tão natural quanto peixe na água do deserto. Porque – macacos me mordam ! – o que tem a ver alhos com bugalhos, catraca de canhão com conhaque de alcatrão?
Dizem que o chocolate é uma representação do sacrifício de Cristo na cruz. Nada simboliza melhor o sofrimento e a redenção do que uma barra de chocolate recheada de caramelo, certo? E há os que, amantes de teorias conspiratórias, veem a cruz como um instrumento de suplício devidamente institucionalizado pelo Império Romano. Mas, os cristãos adoram o suplício de Jesus na cruz e o festejam durante a Semana Santa. “Um barato !”, dizem eles.
Outro “barato legal” é a charmosa Santa Ceia. Imaginem os discípulos de Jesus sentados à mesa da Última Ceia, enquanto Ele entrega um ovo de chocolate a cada um deles, dizendo: “Comam chocolate, o chocolate é o meu corpo… ao leite.”. E quando Judas recebe o seu, Jesus pensa: “Ah, então é assim que ele me trai, com um ovo de chocolate meio amargo! Que safado!”
Claro, o Vaticano diz que o divino significado da Páscoa está enraizado na famosa ressurreição de Cristo, mas tudo indica que os cristãos se afogaram em uma maré de ovos de chocolate e coelhinhos açucarados. Afinal, é impossível imaginar a ressurreição sem uma overdose de açúcar, não é mesmo?
Neste período, o Vaticano, fechando os condescendentes olhos, abençoa, direta ou indiretamente, a farra dos preços escorchantes dos peixes comercializados nas feiras e mercados no calor da festa santa maluca.
Em tempos de crise climática e de rios enchendo menos que nos anos passados, os peixes com certeza ficarão mais caros, muito mais caros do que os olhos da cara do mais reles fiel – até os preços das piabas, quem sabe ficarão mais salgados. E o Papa Francisco ? Crê-se que não será desta vez que excomungará os tubarões exploradores, não será agora que sairá de seus cuidados para encarar o poderio dos mercadores que usurpam a fé em nome do lucro.
Portanto, feliz Páscoa a todos! E não confundam “ressurreição” com excesso de chocolate. Isso pode acabar em indigestão perigosa. Cuidado com as cestinhas de doces diabéticos. Vida que segue. Abraços cristãos!
*Juscelino Taketomi – Jornalista e escritor