De volta ao Brasil após passar 35 dias na Noruega, Ana Cristina Siqueira Valle aguarda em Resende, no interior do Rio de Janeiro, a chegada da intimação do Ministério Público para depor sobre a suposta prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro, no período em que o filho Zero Um do presidente, atualmente senador, exercia o mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj), entre os anos de 2003 e 2019. Os promotores acreditam que a ex-mulher de Jair Bolsonaro pode ajudar a elucidar o caso — ou, no mínimo, desvendar um mistério que ela mesmo criou.
Ana Cristina foi casada com o presidente até 2008. Nessa época, chefiou o gabinete do vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Três, mas também tinha vínculos no gabinete de Flávio. O MP acredita que a ex-mulher do presidente pode saber de detalhes do suposto esquema operado pelo ex-policial Fabrício Queiroz, que recolheria parte dos salários dos funcionários. Além da ex-mulher, o MP quer ouvir o pai dela, José Procópio Valle, a irmã dela, Andrea Siqueira Valle, seus primos Daniela de Siqueira Torres Gomes, Francisco Diniz e Juliana Vargas e seus tios Guilherme dos Santos Hudson, Ana Maria Siqueira Hudson, Maria José de Siqueira e Silva e Marina Siqueira Diniz — todos ex-funcionários do gabinete de Flávio.
A ex-mulher de Bolsonaro garante que nada tem a revelar que possa comprometer o vereador, o senador ou ex-marido, mas se mostra muito incomodada com o envolvimento de seus parentes no caso: “Meu pai tem sofrido muito. É um senhor com mais de 70 anos e acabou envolvido em algo que não tem nada a ver. Dói vê-lo como ficou ao ouvir na sua idade gente falando por trás e perguntando onde está o dinheiro. Ele não tem que passar por isso e te garanto: não vai. Que venham pra cima de mim”, disse a VEJA.
Ana Cristina é considerada pelos promotores como uma peça-chave nas investigações. Um documento revelado por VEJA em 2018, mostra que ela afirmou em juízo, durante seu processo de divórcio com Bolsonaro, que a renda mensal do marido chegava a 100 000 reais. Na época, o então deputado recebia 26 700 reais de salário e mais 8 600 reais de aposentadoria como militar da reserva. Para chegar aos 100 000 reais, a ex-mulher afirmou que ele tinha “outros proventos”. O MP quer saber se isso tem algo a ver com a rachadinha.
A VEJA, em 2018, Ana Cristina afirmou que os “outros proventos” nada mais eram que palavras de “uma mulher magoada” por causa da separação. Indagada novamente, ela agora diz que não se lembra. Uma pessoa próxima à ex-mulher conta ela jamais faria algo para prejudicar o presidente ou sua família, embora até hoje ainda se sinta magoada. Perguntada à respeito, Ana Cristina é enigmática: “Ex-mulher merece mesmo ficar esquecida? Espero que ele (Bolsonaro) ao menos me consiga uma legenda para poder disputar uma vaga de deputada federal nas próximas eleições, porque eu sou uma ex-mulher boazinha.”
REPORTAGEM: Nonato Viegas/VEJA