Começa nesta quarta (18) a reunião da Assembleia Nacional cubana que apontará os novos membros do Conselho de Estado – entre eles o sucessor de Raúl Castro -, mas praticamente não se fala sobre isso em Cuba. Não há cartazes nem indicação da transição que, teoricamente, marcará o fim dos quase 60 anos dos irmãos Castro no poder.
Jornais estatais e a TV cubana noticiam, sempre de forma muito breve, apenas que a Assembleia se reunirá, sem mencionar diretamente a saída de Raul. O silêncio não deixa de ser um sinal de que o processo iniciado em 2017 não trará, de fato, mudança de governo. A Assembleia Nacional tentava promover nesta terça (17) a expressão #SomosContinuidad em redes sociais.
Após dez anos formalmente à frente do Conselho de Estado, Raúl deixará o cargo, mas seguirá à frente do Partido Comunista Cubano e das Forças Armadas, de onde de fato vêm as decisões. A expectativa é que a Assembleia Nacional apresentem o nome do atual primeiro vice-presidente, Miguel Díaz-Canel, para a presidência do Conselho. Inevitavelmente, ele seguirá sob o comando do general Raúl Castro. A opinião é partilhada por críticos do regime e por pessoas próximas a ele.
“O fato de a política cubana ser determinada pelo Partido Comunista me faz pensar que não haverá mudanças significativas”, diz o escritor brasileiro Frei Betto, autor de dois livros sobre Cuba e amigo da família Castro.A líder do movimento Damas de Blanco de mulheres e parentes de opositores presos, Berta Soler, por sua vez, se lamenta ao dizer que nada vai mudar politicamente.
“É mais do mesmo. E diferente de qualquer outro país, aqui nós votamos sem saber quem será o presidente. Vai se passar o poder a um homem que ninguém sabe quem é “As eleições em Cuba começaram em 2017, com a escolha dos membros das assembleias municipais, que nomearam os candidatos às assembleias provinciais e à Assembleia Nacional.
Em março, os cubanos foram à urnas para confirmar a lista de 605 nomes apresentados para os 605 assentos. São estes representantes que indicarão o presidente, o primeiro vice-presidente, e os demais membros Conselho de Estado, e, sessão que ninguém sabe como ocorrerá.
À SOMBRA DE FIDEL
Raúl, 86, assumiu interinamente em 2006, quando Fidel, ditador desde 1959, adoeceu. Por dois anos, não se sabia se ele seguiria no posto, até que Fidel renunciou. Raúl, 86, continuou por um tempo à sombra do irmão mais velho e mais carismático, que também se manteve como primeiro-secretário do Partido Comunista até 2011. Nunca pareceu se preocupar em conquistar os cubanos.
Em 2017, quando o furacão Irma devastou parte do litoral norte da ilha, deixando dez mortos, Raúl não visitou o local para prestar solidariedade – algo que Fidel não deixaria acontecer. Parecia, contudo, querer dar cara nova ao regime ao anunciar, em 2010, uma política social e econômica com reformas que incluíam uma pequena redução dos empregos públicos e a permissão do trabalho autônomo em mais de 150 atividades.
Três anos depois, viria o acordo de reaproximação com os EUA, principal mudança aos olhos da comunidade internacional e um movimento amplamente celebrado pelos cubanos por trazer de volta o dinheiro americano por meio do turismo. Após a posse de Donald Trump em janeiro de 2016, porém, a relação voltou a esfriar e parte do acordo caiu. Raúl passará a Díaz-Canel um país que tem no fim do embargo dos EUA uma realidade cada vez mais distante.
Para Frei Betto, Cuba se encontra num momento de definição. “Cuba nem quer retornar ao capitalismo, como ocorreu com a Rússia, nem se tornar uma mini-China, com um partido comunista conduzindo uma economia capitalista”, diz, destacando que o país necessita de investimentos estrangeiros e não pode decepcionar os credores. “Nessa terceira via reside o desafio de aprimoramento do socialismo cubano, que sempre foi singular.”
Entre críticos do regime, há reconhecimento de que os sistemas de saúde e educação são patrimônio do qual o país não pode se desfazer.A economia é o desafio.Nas ruas de Havana, os cubanos reclamam da desigualdade, cujo crescimento é alimentado pela disparidade entre as duas moedas que circulam internamente.
Para Berta Soler e outros opositores, entretanto, não é possível tirar do balanço do regime dos Castro a repressão política. Segundo ela, hoje há ainda cerca de 80 presos políticos no país, e cinco membros de seu movimento foram detidas em 2017.”Raúl e Fidel são o mesmo, mas Raúl ainda reforçou a repressão”, afirma. “Não há nada que nos sinalize que o próximo governo será menos opressor.”
(Com informações da Folhapress)