
Uma proposta de reforma do Código Civil em análise no Congresso Nacional prevê uma mudança que pode afetar diretamente relacionamentos familiares e a forma como os brasileiros lidam com o futuro de seus bens após a morte: a possibilidade de excluir o cônjuge da herança por meio de testamento.
Atualmente, mesmo quem faz um testamento não pode deixar o marido ou a esposa totalmente de fora da partilha. Isso acontece porque a lei considera cônjuges como “herdeiros necessários”, assim como filhos e pais. Pelo menos metade do patrimônio (a chamada “legítima”) deve ser destinada a essas pessoas.
O projeto do novo Código Civil, no entanto, altera essa regra. Segundo o texto, apenas descendentes e ascendentes são mantidos como herdeiros necessários. O cônjuge passa a ter status semelhante ao dos parentes mais distantes — os chamados colaterais —, podendo ser excluído se não for mencionado no testamento.
“Se hoje você faz um testamento e doa 100% dos seus bens a outra pessoa, ainda assim precisa reservar parte para seu cônjuge. No novo Código, isso não será mais obrigatório”, explica o advogado Ilmar Muniz, especialista em direito sucessório.
A mudança amplia o controle individual sobre o destino dos bens, mas também traz novos riscos. Juristas alertam que ela pode gerar mais disputas entre familiares, especialmente em casos de casamentos tardios ou uniões estáveis com grande diferença de idade.
“A retirada do cônjuge como herdeiro necessário foi feita sem debate amplo e pode prejudicar muitas famílias”, critica Silvia Felipe Marzagão, presidente da Comissão de Direito de Família e Sucessões da OAB-SP.
Outra inovação no projeto é a criação de uma categoria chamada “herdeiros vulneráveis”. Nesse grupo, podem entrar filhos ou pais em situação de dependência financeira, que poderiam receber até um quarto da herança automaticamente, mesmo que o testador não os inclua. Mas esse conceito ainda é vago, segundo especialistas.
“A lei não define claramente o que é vulnerabilidade. Isso vai depender da interpretação do juiz e pode levar a decisões desiguais”, diz Marzagão.
Apesar das polêmicas, a proposta ainda está em fase inicial e pode sofrer modificações antes de ser votada. A ideia é atualizar o Código Civil, vigente desde 2002, para refletir melhor as relações familiares e sociais do século XXI.
“Esse tipo de reforma mexe com a estrutura jurídica do país. Precisa de maturidade política e técnica. Não é algo que deva ser decidido às pressas”, ressalta o advogado Francisco Gomes Júnior.
Enquanto o texto avança no Congresso, a recomendação para quem deseja garantir proteção legal ao seu patrimônio é buscar orientação profissional e, se possível, fazer um testamento bem claro — algo que, segundo dados do setor, poucos brasileiros fazem.

