Parceria entre IFAM e comunidade indígena proporciona acesso ao ensino superior

Foto: Rodrigo Fonseca

É crescente a demanda de estudantes indígenas por cursos e formação profissional no Brasil. No Amazonas, o Instituto Federal do Amazonas (IFAM) possui 855 estudantes que se declaram indígenas em oito campi, sendo Coari, Humaitá, Lábrea, Manaus Zona Leste, Maués, São Gabriel da Cachoeira, Tabatinga e Tefé.

No IFAM Campus Manaus Zona Leste, os alunos Jhoy Pereira Correa, Ivanete Vieira de Souza, Frank de Oliveira Marques, Thais Rodrigues da Silva, Ana de Souza Lima, Taynara Adne Martins da Silva, Andrielle Moreira da Silva, Sabrina Marques Andrade, Andresson de Souza Salles da etnia Mura, oriundos da Comunidade Indígena Moyray, localizada na Ilha do Baixio, em Autazes (distante 84,1 km de Manaus) estão cursando o curso superior de Tecnologia em Agroecologia em regime de internato.

E por se tratar de um curso presencial e integral, os estudantes indígenas têm acesso ao Programa Socioassistencial que prevê a concessão de auxílio financeiro no valor de R$ 900, de acordo com o que estabelece a Política de Assistência Estudantil do IFAM atualmente em vigor.

Segundo a assistente social do IFAM, Marlene de Deus, o Programa de Bolsa Permanência do MEC garante este benefício apenas aos estudantes matriculados em instituições federais de ensino superior que estejam em situação de vulnerabilidade socioeconômica e que se declararam indígenas e/ou quilombolas.

“No IFAM os alunos indígenas têm acesso a dois programas: Bolsa Permanência e Assistência Estudantil para auxílio ao longo do desenvolvimento do curso. É necessário que o solicitante se encaixe nos pré-requisitos exigidos de cada programa para poder ter acesso aos benefícios. Para os alunos da graduação, o Governo Federal garante bolsa no valor de R$900 para aqueles com curso com carga horária superior a cinco horas diárias”, destacou.

Oportunidade

Gratidão é o sentimento que define a trajetória dos nove estudantes internos da etnia Mura. Cursando o primeiro ano de Agroecologia, a estudante Ivanete Vieira de Souza destaca a possibilidade de compartilhar o conhecimento adquirido em um curso superior com a comunidade. “É difícil um indígena ter acesso a universidade e o IFAM nos deu a oportunidade de adquirir novos conhecimentos, não somente para nós, mas para levarmos até nosso povo que está sendo representado neste lugar”, salientou ela que é a primeira da família a ter um curso de graduação.

Para o reitor do IFAM, Antonio Venâncio Castelo Branco, os alunos indígenas demonstram grande responsabilidade e engajamento durante as aulas. “É incrível como eles são focados e se dedicam ao máximo em aprender um assunto novo. Ainda mais quando o que está sendo ensinado poderá ser aplicado diretamente na aldeia e, consequentemente, trazer maior desenvolvimento nas plantações. O instituto sente-se honrado em poder proporcionar o acesso à educação para os locais mais longínquos no Amazonas e para todos os tipos de público”, disse ele.

Morar longe da família também é outro desafio enfrentado. Para a aluna Andrielle Moreira da Silva, é complicado e doloroso, pois a saudade da família é enorme. “Tenho dois filhos e deixá-los lá foi muito difícil. Quando cursei o nível Médio, saía 11h de casa e voltava às 20h. Não eram muitas horas longe, mas tinha um pouco de tempo com eles (filhos). Agora que vim morar em Manaus, só tenho como matar um pouco da saudade através de ligação e fotos”, emocionada ao relembrar dos filhos que residem na comunidade Moyray.

Foto: Ana Paula Batista

Entretanto, a experiência de morar e estudar no campus Manaus Zona Leste para muitos é enriquecedora e cheia de novidades. “Ser interno é uma experiência nova e muito boa, pois temos tudo aqui, aulas, alimento, moradia, esporte. O local que mais gosto de frequentar é a biblioteca. Lá, tenho acesso a livros que aumentam o nosso conhecimento. Tudo é uma novidade para nós! Pode até parecer mais difícil, porém estamos nos acostumando com a nova rotina”, disse Jhoy Pereira Correa de 21 anos.

Redescobrindo a agricultura

O IFAM juntamente com uma equipe pedagógica realiza uma análise da “vocação” produtiva da comunidade, por meio de audiências públicas com lideranças indígenas. Na comunidade Moyray, chegou-se a conclusão que o curso de Agroecologia estaria em consonância com as atividades dos comunitários. “Nossa liderança nos aconselhou a estudar sobre Agroecologia. Apesar de não ter sido uma escolha nossa, quando chegamos aqui, percebemos que o curso é totalmente adequado para nossas vidas. Gostamos e vamos continuar”, enfatizou a estudante Ana de Souza Lima.

Uma das áreas de atuação do curso de Agroecologia são em propriedades rurais e empreendimentos de agricultura familiar. Por isso, todos os conhecimentos obtidos no curso são totalmente aplicados na comunidade. “Apesar de ser indígena e morar perto da mata, percebi que não sabia manusear a terra. Estamos obtendo conhecimento a cada dia. Nossa intenção é voltar à comunidade e aplicar o que aprendemos durante o curso. Enxergamos outra forma de como manusear a nossa agricultura. Um exemplo disso são as Plantas Alimentícias Não Convencionais (PANC) que não conhecíamos e agora sabemos que existem e servem para nossa família e nosso povo”, ressaltou o estudante Jhoy Pereira Correa.

União entre saberes tradicionais e populares

A história de parceria entre a comunidade Moyray e o IFAM já é antiga. Desde 2014, o instituto tem proporcionado diversos cursos de curta duração in loco, tais como: agricultura familiar, artesão para artigos indígenas, operador de beneficiamento de pescado, produção de tintas ecológicas, reutilização de garrafas plásticas para confecção de puffs, dentre outros. E em 2016 inaugurou uma biblioteca comunitária e tem proporcionado aos estudantes indígenas, oportunidades para apresentar projetos em eventos nacionais.

Um dos projetos de sucesso é o manuseio de abelhas sem ferrão na comunidade Moyray. O projeto de extensão apresentado em 2017 durante evento na Paraíba tem como objetivo conservar os recursos naturais da região, conscientizar a comunidade e gerar renda aos moradores por meio da extração de mel das abelhas jupará.

A professora Graça Passos, coordenadora de educação do campo no IFAM, destaca o nível de comprometimento dos alunos junto aos cursos. “A comunidade sempre se mostra interessada em participar. Iniciamos as turmas completas e ao longo do curso não há desistência ou evasão. Na verdade, nossos alunos acabam se lamentando quando o curso acaba, pois a vontade deles em continuar estudando e crescendo é muito maior”, disse ela.