A fé terá que remover montanhas de dúvidas. E talvez de dívidas. O silêncio da Arquidiocese de Brasília sobre as razões que levaram ao afastamento do padre exorcista Vanilson Silva, que atrai milhares de fiéis para suas missas de cura e libertação, deixa uma série de incertezas sobre o futuro de seu sacerdócio, mas também de um dos principais projetos de vida dele: um grande galpão de cinco mil metros quadrados, em São Sebastião, área rural do Distrito Federal, que guarda resquícios de antigas olarias e da escravidão em grandes fazendas.
A obra chamada de “Rincão do Milhão”, avaliada em R$ 1 milhão, vem sendo tocada com a ajuda de doações através de carnês distribuídos por voluntários que ajudam o padre e por meio de uma vaquinha virtual. Para erguer o complexo, com capacidade para acolher até 10 mil pessoas, ainda falta boa parte do dinheiro. O próprio padre informa no texto em que apresenta a empreitada que pagou uma entrada de R$ 300 mil e parcelou o restante em 20 parcelas de R$ 35 mil, das quais só foram pagas 10 delas.
“As despesas são muitas e incluem, entre outras, o acolhimento e mautenção dos nossos irmãos que estão à beira do caminho e aqueles que estão em processo de restauração do mundo das drogas. Não é cobrada nenuma taxa no período em que (os dependentes químicos) estão em processo de restauração, que leva, no mínimo, nove meses”, explica o padre, na página do Instituto Missionário Rosa Mística, da Associação Padre Júlio Negrizzolo, ambos presididos por ele.
Desde que o anúncio de que estava proibido pela Arquidiocese de ministrar missas e fazer exorcismo, Vanilson se recolheu depois de fazer um pedido de orações a seus fiéis, de preferência junto a um sacrário. Considerado muito místico, ele costuma fazer pregações intensas em que entoa a língua do Espírito Santo entre frases fortes como “demônio da pornografia saia daqui!”. O projeto do Rincão é tocado com a ajuda de pelo menos cinco voluntárias católicas, algumas de classe média alta, que não foram localizadas pelo jornal para comentar o que poderá acontecer com o programa de recuperação de dependentes químicos. Procurado, Vanilson também não retornou os pedidos de entrevistas e as pessoas mais próximas dizem que não têm visto ele nos últimos dias.
Duas vezes por semana, pela manhã, ele dava missas na Igreja Perpétuo Socorro, no Lago Sul. Secretário da paróquia, Pedro Gustavo, de 22 anos, contou que ninguém soube pelo padre o que teria ocorrido. Ele apenas postou uma mensagem em suas redes sociais e se recolheu. Ele conhece Vanilson há mais de dez anos desde que, ainda criança, foi a uma missa dele em uma igreja do Gama. O rapaz garante que não ele não faz qualquer menção a exorcismos no ponto mais alto de suas apresentações, logo depois da homilia.
“A igreja não permite, não pode fazer isso, não. A homilia dele é muito forte, só vendo para entender. Ele canta, dá bênçãos. Vem gente de todo lugar para ver”, diz Pedro, que se recorda de que na última vez em que viu Vanilson foi para responder a pergunta usual do padre, que sempre passava na secretaria para perguntar se tinha alguna encomenda para ele.
Vanilson, apesar da força de suas pregações e de sua popularidade — muitos fiéis saem de Goiás só para ouvi-lo e outras centenas deles o acompanham em missas on-line —, é descrito como uma pessoa reservada. Por isso, quem o acompanha há anos não entende a atitude da Arquidiocese. Um jovem de 22 anos, que foi uma única vez em sua missa — “tenho medo dessas coisas” — afirma estar perplexo.
“Não tem nada de mais. Eu que sou medroso, mesmo. Eu fui por curiosidade. Na hora da cura e libertação, algumas pessoas começam a tossir por efeito da libertação, outras choram, outras desmaiam. Ele salvou uma vizinha minha, que tinha uma vida complicada, com problemas amorosos. No dia em que eu estava na missa, ela desmaiu e depois voltou ao normal”, conta o rapaz, católico praticante, mas que presenciou o culto em 2018 e não quis voltar para assistir a outra celebração.
A hipótese de o fervor de suas missas estarem por trás de seu afastamento não é descartado pelos fiéis. Mas ninguém quer apostar em nada com medo de se precipitar nos julgamentos. Em uma postagem no YouTube, em que conclama outros frequentadores das homilias do padre Vanilson a irem até o Núncio Apóstólico pedir que reveja sua posição, uma mulher garante que o próprio sacerdote teria dito para ela que enfrentava revezes por ter mexido com “forças demoníacas”.
Nascido no Pará, em 1968, Vanilson se ordenou sacerdote redentorista em 30 de julho de 2005 e faz parte da comunidade redentorista de Brasília desde 2012. Único exorcista do Distrito Federal, prática considerada de extrema responsabilidade e que só pode ser aplicada em situações autorizadas pela Igreja e seguindo rígidos protocolos, o padre Vanilson pouco falava deste seu lado sacerdotal. Em uma das poucas entrevistas que deu, disse que, ao longo de sua vida missionária, só tinha feito dois exorcismos.
Para seus seguidores, no entanto, ele tem o poder da cura e de libertá-los do mal. Grupos de fiéis têm se organizado para pedir a volta do padre Vanilson por abaixo-assinado e já anunciaram até uma possível manifestação na porta a Arquidiocese. Em mensagens privadas para pessoas mais próximas, ele teria dito estar magoado.
“Me senti desrespeitado, porque todas as reuniões foram feitas sem a minha prsença. Eu, como objeto das reuniões, nunca fui ouvido”, teria dito num comunicado. Procurada, a Arquidiocese apenas informou, através de seu Gabinete Episcopal, que “em breve será oportunamente nomeado outro sacercote para a função de exorcista”. O comunicado também pede aos fiéis “a confiança e a solicitude para com o discernimento da Igreja, expresso por suas autoridades”.
✅ Agência O Globo