O transporte e a logística continuam sendo um dos maiores entraves na expansão da educação no Amazonas. E a realidade daqueles que vivem na região do Alto Rio Negro torna-se ainda mais difícil, principalmente para os que residem em comunidades rurais e aldeias indígenas. Até o fato de ir à escola que para a maioria pode parecer uma simples tarefa, torna-se um grande desafio para os estudantes indígenas que frequentam as aulas no Instituto Federal do Amazonas Campus São Gabriel da Cachoeira (distante 852 km de Manaus).
O estudante do 3º ano do curso Técnico de Nível Médio em Administração, Geremias Góes dos Santos, da etnia Yanomami é um dos exemplos de persistência e força de vontade para concluir seus estudos. Aluno residente, Geremias conta sua saga para vencer 150 quilômetros que separam a comunidade Maturacá do Campus São Gabriel da Cachoeira.
“Levo dois dias para chegar na escola. Saio ainda de madrugada da comunidade Maturacá e chego a noite na comunidade Nazaré para pernoitar. Saio assim que amanhece o dia e chego em São Gabriel da Cachoeira no final da tarde. Faço esse caminho duas vezes por ano de rabeta”, disse ele ao se referir a uma canoa motorizada, um dos meios de transporte mais populares na Amazônia.
Segundo o reitor do IFAM, Antonio Venâncio Castelo Branco, a missão do instituto é atender a demanda escolar indígena e transpor as dificuldades do acesso ao ensino no Amazonas. “Histórias como a do Geremias retratam a dura realidade que os estudantes amazônidas enfrentam na busca da qualificação acadêmica e profissional. Hoje, o IFAM tem levado diversos cursos para dentro das comunidades ribeirinhas e indígenas. Nossa missão é oportunizar o ensino de qualidade para o maior número de pessoas”, disse o reitor.
Vivendo no campus
Apesar de visitar a família na comunidade apenas duas vezes por ano, Geremias ressalta a importância que o instituto tem na sua vida. “A saudade da família é grande, mas ela é suportável e necessária para que o conhecimento que eu recebo no campus seja possível levar de volta para a minha comunidade. E todos lá torcem muito pela gente”, disse ele que junto com mais 23 estudantes estão em regime de internato no campus.
O alojamento do IFAM campus São Gabriel da Cachoeira possui quatro dormitórios – totalizando 80 leitos – e equipados com área de serviço, banheiros e área de circulação social.
Bilinguismo
Aprovado em 2002 e regulamentado em 2006 por meio da A Lei Nº 145/2002, o município de São Gabriel da Cachoeira foi o primeiro no Brasil a cooficializar as línguas indígenas Nheengatu, Tukano e Baniwa ao lado do português. Desde 2017, o campus São Gabriel da Cachoeira tem investido no ensino de nheengatu para servidores. De acordo com o professor indígena Edilson Martins Melgueiro – ou Kadakawali – nome na língua baniwa, atualmente o campus possui estudantes de 23 etnias e é pioneiro na elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) e na adaptação da matriz curricular que mais se aproxime da realidade indígena.
“Aqui no campus até o momento nossas aulas são ministradas em português. Porém, nas escolas indígenas municipais do interior, as aulas das séries iniciais são ensinadas nas línguas: Baniwa, Tukano, Yanomami, Nheengatu, dentre outros. Nossa proposta é que por meio do Centro de Idiomas, materiais didáticos direcionados à área de agricultura, pesca entre outros sejam produzidos com tradução para as línguas indígenas e que sirvam de subsídio no ensino técnico e tecnológico ofertado no IFAM Campus São Gabriel da Cachoeira”, revelando que o Censo 2010 contabilizou mais de 200 línguas, entretanto nem todas são estudadas.
O reitor do IFAM ainda destacou a parceria com a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN). “Ter esse laço com a FOIRN é de suma importância para o resgate e a valorização da cultura e da língua indígena em nosso país. A grande diversidade e representatividade de todas as etnias de São Gabriel dentro do campus, demonstra a relevância da interculturalidade na missão do IFAM. Nosso objetivo é garantir a adaptação de processos de aprendizado que respeitem às tradições e valores culturais indígenas”, disse Castelo Branco.