Onda verde é uma falácia

Achim Steiner, subsecretário-geral da ONU

Segundo relatório das Nações Unidas sobre 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável em 95 países, a riqueza global superou US$ 450 trilhões. No entanto, não há consenso para a liberação de US$ 3 trilhões ao ano para investimentos em energia limpa, redução da pobreza e melhores políticas públicas envolvendo água e saneamento, dentre outras prioridades, afirmou ao Valor Econômico Achim Steiner, subsecretário geral da ONU e administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

As facilidades da burocracia internacional só contemplam a gastança absurda com a guerra, que agrada, privilegia e enriquece cada vez mais a indústria armamentista. Por exemplo, o conflito Rússia/Ucrânia já consumiu US$ 2,24 trilhões (cerca de R$ 11 trilhões) dos gastos globais, de acordo com números do relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri).

Vejam o mapa dos países que mais gastaram no conflito: Estados Unidos (US$ 877 bilhões, equivalente a R$ 4,44 trilhões); China (US$ 292 bilhões, equivalente a R$ 1,47 trilhão); Rússia (US$ 86,4 bilhões, equivalente a R$ 437 bilhões); Índia (US$ 81,4 bilhões, equivalente a R$ 412 bilhões);Arábia Saudita (US$ 75 bilhões, equivalente a R$ 379 bilhões); Reino Unido (US$ 68,5 bilhões, equivalente a R$ 347 bilhões); Alemanha (US$ 55,8 bilhões, equivalente a R$ 282 bilhões); França (US$ 53,6 bilhões, equivalente a R$ 271 bilhões); Coreia do Sul (US$ 46,4 bilhões, equivalente a R$ 235 bilhões); e Japão (US$ 46 bilhões, equivalente a R$ 233 bilhões).

US$ 7 trilhões para os combustíveis fósseis

Há bastante dinheiro para altos investimentos em guerras, assim como os líderes mundiais dispendem todos os esforços para elevar os gastos referentes aos combustíveis fósseis. Em 2022, eles gastaram US$ 7 trilhões em subsídios para tais combustíveis, diz Achim Steiner, que lamenta o emperramento da agenda verde. Ele é cético quanto ao alcance em 2030 das metas globais alardeadas pelos chefes de Estado que assinaram o Acordo de Paris com o compromisso de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. O Acordo até hoje, passadas as recentes conferências da ONU sobre a questão climática, não foi cumprido por não ter sido ratificado pelos países que o assinaram. Conforme a ONU, 195 assinaram o Acordo, mas até 2017 o documento só havia sido ratificado por 147.

Desencantado, Steiner declarou: “Nos futuros livros de história sobre o nosso tempo, as pessoas descreverão isso como uma forma de insanidade, porque sabemos que temos uma ameaça, que temos os meios para fazer alguma coisa quanto a crise do clima, mas estamos investindo seis vezes mais na aceleração do problema do que na sua solução”.

Steiner lamenta que os tão festejados investimentos na infraestrutura de energias renováveis sejam, na verdade, espetáculos midiáticos mal explicados, já que do total desses investimentos menos de 2% contemplaram o continente africano, onde o acesso à eletricidade é quase nenhum à considerável parcela da população.

Repressão não é tudo

Na opinião do subsecretário geral da ONU, é mais do que preocupante a situação da chamada onda verde no mundo, tendo em vista a lentidão de muitos países, dentre os quais o Brasil, no incremento de políticas públicas que não apenas reduzam o desmatamento, mas que direcionem investimentos em projetos que diminuam as desigualdades e o número de pessoas pobres no planeta Terra.

Investir só na repressão aos promotores do desmatamento, como faz o Brasil neste momento, não vai resolver o sério problema da pobreza e acelerar o desenvolvimento sócio-econômico do país com base na sustentabilidade. É como entendemos a tradução da manifestação de Steiner. Crescimento a todo custo, de qualquer maneira, resultará em dividendos junto à comunidade internacional, mas não elevará o padrão de vida social e econômico do povo de nenhum país emergencial, muito menos o padrão do povo brasileiro.

O desenvolvimento verdadeiro, como prega Steiner, aconteceria se os países ditos emergentes recebessem fortes investimentos internacionais. Mas, isso está longe de acontecer na prática, apesar das promessas feitas desde a Cúpula Climática de 2015. Por isso, ele defende uma revisão do que chama de “arquitetura financeira internacional” sobre a delicada questão do endividamento dos países, para que fluam recursos destinados ao incremento de novas políticas energéticas e de economias sustentáveis, como pretendem os defensores da onda verde.

“Não podemos nos concentrar nos sintomas e desprezar as causas. Os sintomas são as estatísticas, os retrocessos, a falta de progresso. As causas são as más políticas, instituições fracas, uma pandemia, inúmeras guerras e conflitos e a geopolítica que nos impede de resolver o desafio financeiro global”, destaca Steiner.

Falta vontade política

O subsecretário da ONU não tem ilusões de que o desafio para colocar a sustentabilidade na pauta verde planetária com sucesso passa pela necessidade de se investir US$ 3 trilhões, recursos imprescindíveis para levar a 6,5 bilhões de pessoas o desenvolvimento sustentável, diminuindo as emissões de gases-estufa e reduzindo a pobreza.

Acreditamos, francamente, não serem peças de ficção as afirmações de Steiner. Basta boa vontade política para se obter os US$ 3 trilhões defendidos por ele. Se não houve problemas para o desembolso de US$ 7 trilhões em subsídios para turbinar os combustíveis fósseis, por que não desembolsar e aplicar US$ 3 trilhões em projetos voltados para a sustentabilidade ? Ou será que a onda verde seguirá sendo mero apanágio retórico para ilustrar a geleia geral em que se transformaram os eventos climáticos enquanto, de fato, as nações do Primeiro mundo só investem na revolução energética e na onda verde dentro de seus próprios territórios ?

A Agência Internacional de Energia chegou ao final de 2023 assegurando que a exploração de petróleo, carvão e gás continuará firme nos próximos três anos. Será, então, que a transição global para uma matriz energética mais limpa prosseguirá sendo um conto de Carochinha ? Em 2024, para o bem ou para o mal, conheceremos as respostas devidas. Se forem ruins e o Primeiro Mundo confirmar a produção de 110% de mais combustíveis fósseis até 2030, o planeta não alcançará mesmo a meta de limitar o seu aquecimento a 1,5°C.

Que vai fazer o Brasil ?

A pergunta que não quer calar: o que vai fazer o Brasil com o seu Plano de Transformação Ecológica (PTE) em 2024 ? Vai tocar mesmo de vento em popa a exploração de petróleo na Foz do Amazonas ? Como tratará a questão das emissões diretas e indiretas da agropecuária ? Vai introduzir parâmetros verdes no agronegócio, o principal motor da economia brasileira e um dos maiores vilões do desmatamento e dos desastres climáticos no país ? Como será a nossa transição verde ?

Contrária à matriz petrolífera, a ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, disse há pouco ao Financial Times que a exploração do ouro negro precisa ser limitada. Falou como diplomata, claro, para preservar a imagem do governo Lula ante a opinião pública internacional. Entretanto, não explicou como será esse limite. Tampouco destacou como ocorrerão os investimentos governamentais em práticas econômicas sustentáveis no país, sobretudo na região amazônica, onde vivem 28 milhões de seres humanos espalhados em aproximadamente 49,29% do território verde-amarelo abrangendo os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Tocantins.

Partindo do princípio de que o petróleo é um negócio altamente lucrativo e sempre salvará as contas do governo, não se acredita que Lula, com o silêncio de Marina, abdicará da determinação de levar em frente seu projeto na Foz do Amazonas. Usará a grana do petróleo para investimentos em fontes limpas de energia ? Isso não seria uma contradição infernal ?

Com realismo, não acreditamos que Lula terá sucesso na obtenção de vultosos recursos financeiros para bancar a sustentabilidade a partir de 2024. Afinal, a questão verde demanda dinheiro, inclusive para investimentos em ciência e tecnologias, demanda muito dinheiro – o que não se sabe se virá dos cofres estrangeiros na forma como expressam os chefes de Estado ricos quando instados a abordar a matéria. Os discursos deles sempre são dourados, mas, na prática, empurram com a barriga as demandas dos países pobres. Portanto, não haverá como evitar que o agronegócio prossiga elevando seu percentual com relação aos gases de efeito estufa, não haverá como torná-lo uma atividade sustentável. Não haverá como impedir os processos industriais poluentes. Enfim, se os recursos necessários não aparecerem, a novela da sustentabilidade não passará de uma “conversa para boi dormir” no próximo ano, com capítulos e consequências bem amargos.

E o Amazonas, hein Wilson?

Em entrevistas à imprensa nos últimos dois meses, o governador Wilson Lima tem exposto suas impressões acerca da onda verde quanto ao Amazonas. Do Governo Federal ele diz sempre esperar alguma coisa, mas não esconde viver como os aficionados de MPB no samba de Zeca Pagodinho: “deixa a vida me levar, vida leva eu”.

De todo modo, Wilson, que em 2024 insistirá na velha e traumática luta pela completa revitalização da BR-319, mais infraestrutura logística para ampliar a cadeia de negócios da Zona Franca de Manaus, incluindo o balizamento e a sinalização dos rios que banham o Amazonas, vai ficar de olho vivo no cumprimento da chamada Agenda de 2030, um pacto firmado entre 193 Estados-Membros das Nações Unidas (ONU) para o Desenvolvimento Sustentável. O pacto foca a Amazônia, batendo na tecla da extrema necessidade de preservação da floresta, da valorização e proteção dos povos e territórios tradicionais da região. Também foca no incremento de novas tecnologias com sustentabilidade.

Evidente que Wilson se interessa pelo pacto, que foca diretamente a Amazônia e que envolve o engajamento de grupos privados. Se as empresas do Pacto Global da ONU no Brasil vão encarar para valer o desafio, se vão abrir os cofres de verdade, é o que veremos logo mais adiante. O governador já ameaçou até tocar fogo na floresta se o governo Lula teimar em transformar a Amazônia em uma espécie de Jardim Botânico dos Estados Unidos, sem oferecer retorno algum aos caboclos amazonenses. Wilson torce para que o pacto siga avante – quem sabe uma luz no fim do túnel. Sonhar com o casamento homem/natureza, com uma agricultura sustentável, ações climáticas exemplares, garantindo o equilíbrio ecológico do Estado, da região e do planeta, não custa nada. “Navegar é preciso”, como dizia Fernando Pessoa.

Juscelino Taketomi – Escritor e jornalista
fonte:Portal Único