Novo Código Eleitoral: entre a modernização e o risco de retrocessos

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou ontem o texto-base do Projeto de Lei Complementar nº 112/2021, que institui um novo Código Eleitoral. O texto reúne em um único diploma sete legislações esparsas, totalizando quase 900 artigos, e segue agora para apreciação do Plenário.

Entre os principais pontos aprovados, está a introdução do voto impresso. A proposta determina que, após a confirmação, cada voto será registrado em papel e depositado em compartimento lacrado. O tema dividiu os senadores e foi aprovado por 14 votos a 12, reacendendo o debate sobre segurança e transparência do processo eleitoral.

Outro aspecto relevante é a manutenção da cota mínima de 30% de candidaturas femininas por partido, aliada a uma novidade histórica: a criação de uma reserva de 20% das cadeiras legislativas para mulheres, válida por 20 anos, condicionada ao alcance de ao menos 10% do quociente eleitoral. A medida foi aprovada após forte mobilização da bancada feminina no Senado.

O projeto também altera o prazo de quarentena para agentes públicos que pretendem disputar eleições. Antes fixado em dois anos, o prazo cai para um ano, sendo de apenas seis meses para policiais em funções administrativas. A mudança, aplicável a partir de 2028, visa ampliar a possibilidade de ingresso desses profissionais na política.

No enfrentamento às fake news, as penas foram suavizadas. A divulgação de fatos sabidamente inverídicos sobre candidatos ou partidos passa a ser punida com detenção de dois meses a um ano, ou multa. O texto anterior previa pena de até quatro anos. Além disso, não será considerado crime o simples ato de criticar o sistema eleitoral, em respeito à liberdade de expressão.

Em matéria de financiamento, o novo Código autoriza candidatos a utilizarem recursos próprios até o teto de gastos da campanha, ampliando de forma significativa o antigo limite de 20%. A medida busca garantir maior autonomia, mas também levanta preocupações quanto ao fortalecimento de candidaturas mais abastadas.

Além desses pontos, o projeto abrange regras sobre inelegibilidades da Lei da Ficha Limpa, uso de inteligência artificial em campanhas, prestação de contas e fiscalização de urnas eletrônicas, configurando uma revisão ampla do marco normativo eleitoral.

Duas inovações chamam atenção de forma especial e merecem análise crítica. A primeira delas é a volta do voto impresso, que além de reabrir um debate já superado pelo Supremo Tribunal Federal, pode representar atrasos significativos na votação diante de falhas de impressão, filas prolongadas e alto custo de implementação em mais de 500 mil urnas espalhadas pelo Brasil. Trata-se de medida cara e de eficácia questionável, que pode minar a agilidade de um sistema reconhecido mundialmente por sua confiabilidade.

Por outro lado, a decisão de reservar 20% das cadeiras legislativas para mulheres deve ser celebrada. A medida fortalece a participação feminina nos espaços de poder e se alinha ao ODS 5 da Agenda 2030 da ONU, que propõe ampliar a igualdade de gênero e estimular a presença de mulheres em posições de liderança. Trata-se de um avanço institucional que corrige distorções históricas e sinaliza maturidade democrática.

Por fim, o novo Código Eleitoral nasce em meio a intensos debates e revela uma dualidade: ao mesmo tempo em que moderniza regras e promove avanços na inclusão feminina, insiste em soluções controversas como o voto impresso, que podem trazer custos elevados e riscos de retrocesso. O desafio agora é garantir que o Brasil tenha um Código voltado para o futuro, capaz de fortalecer a democracia, sem abrir espaço para medidas casuísticas que comprometam conquistas já consolidadas.

Fábio de Souza Pereira:
Professor, Jornalista, Assessor
Eleitoral e Membro da ABRADEP