O conhecimento dos povos tradicionais nos ensina que fazemos parte da natureza. Tal lição, infelizmente, tem sido negligenciada por causa do “progresso” da humanidade, ameaçando a sobrevivência do nosso planeta e de suas espécies.
Na quinta-feira (22), Dia Internacional do Planeta Terra, foi a oportunidade de refletir sobre essa realidade e lançar luz também sobre ações e exemplos, a nível local, com potencial de fazer da preservação e recuperação ambiental um caminho para o real desenvolvimento humano.
Um destes exemplos parte dos moradores da cidade, apoiados pela MixCon Incorporadora, empresa que atua no ramo de habitação. Famílias inteiras estão empenhadas em salvar o igarapé do Gigante e deixar esse feito registrado na história. O curso d´água nasce nas proximidades do Aeroporto Internacional Eduardo Gomes, no Tarumã. Tem sete quilômetros de extensão e corta bairros da zona Oeste.
Suas águas começaram a ser recuperadas há pouco mais de seis anos. A iniciativa partiu de residentes de uma área de rip rap localizada no bairro da Redenção. Maria Cristina Pereira da Silva, líder comunitária, conta que viver em meio à sujeira e ao mau cheiro causava incômodo e vergonha às famílias. O mal estar levou a ação.
À medida que limpavam o igarapé, recolhendo detritos, a área tornava-se melhor para se viver. “Hoje, temos orgulho de morar aqui”, ressalta Maria Cristina. De acordo com ela, o que parecia impossível acabou acontecendo. O Gigante foi ganhando vida e a sujeira, que antes o matava, virou matéria-prima para artesanato, passando a ser fonte de renda.
Giselle Mascarenhas, ativista social do Grupo TransformAÇÃO, fala do trabalho da Organização Não Governamental (ONG) que resgata da ociosidade jovens do bairro da Redenção, dando a eles acesso à arte, cultura e educação. De acordo com ela, foi o grupo que orientou as famílias a iniciar o projeto Rip Arte e a produzir peças a partir dos detritos recolhidos das águas.
Preservação – A conscientização para a preservação do igarapé e da natureza ao redor é um trabalho de formiguinha. Maria Cristina e Giselle reforçam que a luta é diária. Hoje, o lixo não é mais jogado com tanta frequência no igarapé do Gigante. A poluição também diminuiu, assim como o registro de casas alagadas nas imediações.
A vida do personagem dessa história não é nada fácil. Ele continua sua jornada, cruzando pelo caminho com mais descaso. Mas também encontra pessoas dispostas a salvá-lo. No bairro Planalto, o Gigante depara-se com um local que já foi um grande depósito de lixo e ponto de encontro de usuários de drogas. Há seis anos, esse espaço virou a Praça das Flores.
“Fizemos um trabalho de sensibilização da comunidade para que não jogasse sujeira nas ruas. Quando chovia, tudo ia parar dentro do igarapé do Gigante”, lembra o líder comunitário Gilberto Ribeiro. “Hoje, a Praça das Flores é um espaço de convivência social. Mas ela já foi um problema social.”
E nosso herói segue viagem deixando para trás o Planalto. É quando cruza o Parque Mosaico, primeiro bairro planejado de Manaus, a realidade é outra. Um verdadeiro contraste com a ocupação desordenada vista por todo o seu trajeto.
O bairro tem um papel importante na limpeza do Gigante. O esgoto proveniente de suas moradias é tratado e a água retorna limpa ao igarapé. A Associação Parque Mosaico Amazônia cobra, junto às autoridades, para que aconteça a revitalização integral do Gigante. “Ele nasce limpo, mas quando chega aqui já está poluído. Isso afeta muito a saúde dos moradores”, explica Miriam Cacella de Souza, membro da associação.
A MixCon Incorporadora é responsável pelo projeto do Parque Mosaico. Seu diretor-executivo, José Henrique Lanna, conta que o bairro é um presente para a cidade por oferecer melhoria na qualidade de vida da população no quesito moradia. “Ele também torna-se importante para a população atual e próximas gerações pelo fato de se preocupar com a preservação do igarapé do Gigante e lutar por sua revitalização”, ressalta.
União é capaz de operar milagres
No Dia da Terra é importante frisar que “a união faz a força”. Não se trata apenas de uma frase feita. Ela é capaz de operar verdadeiros milagres. Isso é comprovado por nosso Gigante conforme ele avança seu curso.
Bem ali na Marina do Davi, terminal portuário de lanchas instalado no bairro da Ponta Negra, acontece uma vez por mês a ação Remada Ambiental, projeto coordenado por Jadson Maciel.
Primeiramente, é feito um trabalho de coleta e educação ambiental na Marina. Na segunda etapa, adentra-se na associação dos canoeiros, onde ocorre uma conversa com as pessoas que seguem rumo às comunidades, flutuantes e praias.
“Explicamos que os resíduos que eles levam devem ser trazidos de volta e descartados de forma correta”, explica Jadson, frisando que o objetivo é que todos entendam o tamanho do problema. “Manaus, hoje, vive o caos em relação a lixo.”
A última parte da Remada ambiental consiste em adentrar no igarapé do Gigante para a coleta dos detritos. Os participantes da ação são distribuídos em pranchas de SUP, caiaques e botes. Eles também contam com a estrutura da balsa da Secretaria Municipal de Limpeza Urbana (Semulsp).
Apesar dos obstáculos, o igarapé do Gigante completa sua jornada desembocando no rio Negro. Nesse abraço às águas escuras está a esperança de dias melhores.
Exemplo de desafios e contradições
Para Ricardo Anderáos, sócio proprietário da ORÉ Inovação em Impacto Social, o Gigante pode ser visto como uma miniatura dos desafios e contradições de quase todas as grandes cidades brasileiras.
“Ele tem um potencial enorme, que pode ser explorado de maneira predatória, para o benefício somente de alguns. Ou, então, pode ser usado de maneira sustentável e beneficiar todo mundo”, destaca Anderáos.
Ele frisa ser importante a coalizão que a Associação Parque Mosaico Amazônica pretende articular com as organizações sociais, empreendedores, empresários e com moradores que residem nos bairros que ficam no entorno do Gigante.
Segundo Anderáos, a ideia de lutar em prol da Área de Proteção Ambiental (APA) Parque Linear do Igarapé do Gigante, que foi criada e existe só no papel, é um objetivo inicial. “Ela serve para organizar as pessoas, criando um senso de união”, diz.
A unidade de conservação existe desde 2012 e tem a intenção de proteger as matas ciliares e o curso da água do igarapé. Mas sua implantação efetiva ainda depende de estudos técnicos e planos de manejo específicos.