Historiadores militares dizem que Putin está seguindo a cartilha malfadada de Hitler

O outrora alardeado exército russo ficou atolado na Ucrânia não apenas por causa da resistência feroz, mas por algo mais prosaico: logística; há relatos de saques a supermercados por tropas russas

O presidente russo, Vladimir Putin, com frequência evoca a vitória épica da União Soviética sobre a Alemanha nazista durante a Segunda Guerra Mundial para justificar a invasão da Ucrânia pelo seu país.

No entanto, Putin está cometendo alguns dos mesmos erros que condenaram a Alemanha durante a invasão da URSS em 1941 – enquanto usa “truques e táticas parecidas com as de Hitler” para justificar sua brutalidade, dizem historiadores e estudiosos militares.

Esta é a ironia selvagem por trás da decisão de Putin de invadir a Ucrânia, que fica clara enquanto a guerra entra em seu segundo mês: o líder russo, que se apresenta como um estudante de história, está se debatendo porque não prestou atenção suficiente às lições da “Grande Guerra Patriótica” que ele reverencia.

“Estou tentando entender isso há um mês, porque, por mais terrível que Putin seja, você nunca poderia dizer que ele era ilógico”, diz Peter T. DeSimone, professor associado de história da Rússia e do Leste Europeu na Universidade de Utica, no estado de Nova York.

“Tudo isso é ilógico, e essa é a coisa assustadora”, diz ele. “Isso não é normal comparado ao que ele já fez no passado. Isso é algo que não faz sentido em muitos níveis, e não apenas em relação à Segunda Guerra Mundial”.

É claro que há diferenças significativas entre a atual guerra na Ucrânia e o confronto entre a Alemanha nazista e a União Soviética.

A máquina de guerra nazista era formidável, ágil e bem treinada. A Wehrmacht matou e feriu 150 mil soldados do Exército Vermelho na primeira semana de sua invasão, em junho de 1941.

Eles tomaram vastas áreas de território e, em um “mega-cerco”, prenderam quatro exércitos soviéticos, capturando 700 mil prisioneiros de guerra.

E não há equivalência moral entre Joseph Stalin, o ditador soviético, e o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.

Stalin era um sociopata (uma vez ele enfiou a mão em uma gaiola e matou um papagaio de estimação da família porque, ao piar, o bicho o irritava) que matou milhões de ucranianos de fome e assassinou rotineiramente rivais políticos.

Zelensky é um líder democraticamente eleito que reuniu ucranianos e inspirou o mundo com suas demonstrações conspícuas de coragem e defesa eloquente da democracia.

Mas, ao olhar mais de perto o que de Putin tem enfrentado na Ucrânia, surgem paralelos irônicos. Historiadores militares dizem que Putin está seguindo a cartilha malfadada de Hitler em pelo menos três áreas.
Putin esqueceu uma regra básica de guerra

O tanque de guerra sempre causa pavor nas tropas inimigas. Quando os britânicos introduziram os primeiros tanques pesados durante a Primeira Guerra Mundial, os soldados fugiram aterrorizados.

A Ucrânia, porém, tornou-se, de acordo com uma manchete de um artigo recente, um “cemitério de tanques russos”. Soldados ucranianos estão usando de tudo, de drones a lançadores de mísseis Javelin, para destruir comboios de tanques.

Mas os tanques russos ficaram parados por outra razão surpreendente: falta de combustível. A falta de combustível é parte de um problema maior.

O outrora alardeado exército russo ficou atolado na Ucrânia não apenas por causa da resistência feroz, mas por algo mais prosaico: logística.

Putin tem encontrado dificuldades para alimentar, abastecer e equipar seu exército. Houve relatos de tropas russas saqueando bancos e supermercados, tanques ficando sem combustível e soldados usando formas precárias de comunicação militar – como celulares smartphones – que contribuíram para o que a Ucrânia diz ser a morte de pelo menos sete generais russos.

“As evidências sugerem que Putin pensou que poderia obter uma vitória rápida com o envio de forças especiais e unidades aerotransportadas”, diz Ian Ona Johnson, professor de história militar da Universidade de Notre Dame.

“Então, quando eles foram forçados a ir para uma guerra muito mais tradicional, envolvendo essencialmente a maior parte do exército russo ao longo da fronteira ucraniana, eles não estavam preparados para algumas das logísticas”.

O planejamento logístico deficiente também desempenhou um papel crítico na derrota da Alemanha nazista na frente oriental, onde Hitler esperava uma vitória rápida.

O exército alemão não conseguiu estabelecer linhas de abastecimento suficientes para as vastas distâncias e terrenos acidentados da União Soviética. Os tanques alemães ficaram sem combustível.

As consequências desse mau planejamento logístico se provaram fatais quando o inverno russo chegou.

Hitler não equipou muitos de seus soldados com roupas de inverno, porque achava que o exército soviético era muito inferior.

Os soldados alemães foram forçados a lutar em temperaturas congelantes enquanto ainda vestiam seus uniformes de verão, com alguns usando jornal e palha para se proteger do frio.

“Isso provou ser devastador quando o inverno russo, que é particularmente brutal, se instalou”, diz Johnson.
“Algo como 250 mil soldados alemães eventualmente sofreram ferimentos por congelamento ou morreram de frio naquele inverno por causa de problemas logísticos.”

O exército alemão atingiu seu ponto mais baixo na batalha de Stalingrado, considerada o ponto de virada da Segunda Guerra Mundial. Lá, soldados alemães mal equipados foram forçados a comer cavalos, cães e ratos para sobreviver ao inverno.

A escala dos combates na Ucrânia hoje não se aproxima da Frente Oriental, mas a lição de ambas as guerras pode ser resumida em uma máxima militar atribuída ao general Omar Bradley, general americano durante a Segunda Guerra Mundial:

“Amadores falam de estratégia. Profissionais falam de logística.”
Brutalidade pode sair pela culatra

Em uma guerra já cheia de imagens comoventes, uma foto pode ser a pior.

É uma foto assustadora de uma mulher ucraniana grávida com roupas rasgadas sendo carregada em uma maca. A mulher está consciente, com a mão embalada sobre o ventre nu, manchado de sangue.

Tanto ela quanto o bebê morreriam mais tarde devido aos ferimentos. Autoridades ucranianas dizem que ela estava em uma maternidade, na cidade sitiada de Mariupol, que foi bombardeada pela artilharia russa.

A imagem ressaltou o que alguns comentaristas agora dizem ser a abordagem padrão de Putin para a guerra: ele está matando indiscriminadamente civis para acabar a vontade do povo ucraniano.

O exército russo foi acusado de bombardear hospitais, shopping centers, prédios de apartamentos e um teatro com a palavra “crianças” escrita em russo no exterior do prédio. A Rússia também foi acusada de tentar submeter uma cidade ucraniana à fome, bloqueando a ajuda humanitária.

A brutalidade do exército russo, no entanto, está tendo o efeito oposto, escreveu Maria Varenikova, de Lviv, na Ucrânia, em um artigo recente para o New York Times.

“Se há uma emoção primordial que domina a Ucrânia agora, é o ódio”, disse Varenikova.

“É uma amargura profunda e fervente pelo presidente Vladimir V. Putin, seus militares e seu governo”. A brutalidade pode sair pela culatra na guerra.

Putin tem aliados em potencial na Ucrânia. Rússia e Ucrânia são duas nações eslavas que compartilham laços religiosos e culturais. Muitos ucranianos têm parentes na Rússia e falam a língua. E historicamente tem havido mais fidelidade à Rússia na parte oriental do país.

Mas a brutalidade indiscriminada de Putin contra os civis está unindo os ucranianos de uma forma que nunca vista antes. Um comentarista chamou o ódio de “tesouro escondido” na guerra, porque pode sustentar a resistência por gerações.

A brutalidade indiscriminada de Hitler contra civis soviéticos também desempenhou um fator crucial em sua derrota.

Hitler tinha muitos aliados em potencial na União Soviética. Muitos soviéticos desprezavam e temiam Stalin, que rotineiramente assassinava oponentes políticos, executava líderes militares e perseguia cidadãos soviéticos.

Ele matou cerca de quatro milhões de ucranianos de fome durante um período infame conhecido como Holodomor.

É por isso que alguns soviéticos inicialmente acolheram Hitler como um libertador e deram presentes de Natal a algumas tropas alemãs.

Fonte: CNN