Guarda municipal é preso após vídeo mostrar agressão a homem algemado em Manaus

Francisco das Chagas disse que apenas utilizou “força necessária” e que não sabia que estava sendo filmado.

MANAUS, AM — O vídeo dura apenas 58 segundos, mas expõe uma eternidade de violência. Na tela do celular, um homem algemado encolhe-se no chão de um prédio abandonado no Centro de Manaus, enquanto o cassetete sobe e desce com ritmo de carnificina. Os golpes ecoam no cimento nu, mas o som mais perturbador vem das gargalhadas dos outros seis uniformizados que assistem – um deles com o celular em punho, transformando a tortura em conteúdo digital.

O rosto por trás do Cassetete

Francisco das Chagas Eugênio de Araújo, 42 anos, 15 de serviço na Guarda Municipal, tornou-se o protagonista involuntário desse filme de horror urbano. Quando as imagens vazaram na quinta-feira (24), viralizaram com a velocidade crueldade compartilhada nas redes. Três dias depois, às 9h32 de sábado (26), ele cruzou sozinho os portões do 24º DIP – onde já o aguardava um mandado de prisão por tortura.

Em depoimento, o agente tentou construir sua versão sobre os escombros dos fatos, tendo alegado “força necessária” para conduzir um suposto ladrão de motores. Afirmou desconhecer que era filmado e negou tortura, mas admitiu os golpes.

A cena ocorrera em 12 de abril, num prédio fantasma da Rua Gabriel Salgado. A vítima? Desapareceu no sistema. Sem identificação, sem flagrante, sem motor roubado – apenas com hematomas que ninguém fotografou.

O coro dos cúmplices

Enquanto Francisco respondia ao delegado, seus seis colegas de farda assistiam à cena original mantiveram um silêncio que agora pesa nos processos administrativos abertos pela Prefeitura. A Semseg recolheu as armas, mas não conseguiu recolher as imagens que já correram o mundo.

O preço da imagem

Num paradoxo da era digital, foram os próprios agentes que forneceram a prova condenatória. O vídeo, que pretendia ser talvez um troféu, transformou-se em prova cabal. A Guarda Municipal de Manaus agora enfrenta seu pior pesadelo de relações públicas: a violência não apenas cometida, mas documentada, compartilhada e aplaudida por dentro da corporação.

Enquanto Francisco aguarda a cela, especialistas em segurança pública questionam: quantos vídeos como esse não foram filmados? Quantos não vazaram? E quantos homens algemados ainda choram em prédios abandonados, longe das câmeras de celular?

A Prefeitura promete “apuração rigorosa”, mas a sociedade já viu o filme todo – frame a frame, golpe a golpe, risada a risada. E dificilmente esquecerá.