Golpes financeiros pela internet: qual a responsabilidade dos bancos?

Febraban destaca que os criminosos têm se aproveitado do crescimento do uso de soluções digitais para aplicar golpes.

O avanço das soluções financeiras on-line tem proporcionado praticidade aos consumidores, mas também abriu espaço para o aumento expressivo de golpes digitais. O Brasil lidera o ranking global de ataques por malwares bancários, conforme dados da Kaspersky — empresa especializada em cybersegurança —, registrando cerca de 1,8 milhão de incidentes entre julho de 2022 e 2023. Diante deste cenário, especialistas destacam que é responsabilidade legal das instituições bancárias garantir a segurança de seus correntistas em casos de golpes.

A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) destaca que os criminosos têm se aproveitado do crescimento do uso de soluções digitais aplicando golpes especialmente através de técnicas de engenharia social (que consistem na manipulação psicológica do usuário para que ele lhe forneça informações confidenciais ou faça transações em favor das quadrilhas).

Ione Amorim, coordenadora do programa de serviços financeiros do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), expressa a crescente preocupação da entidade diante do aumento e diversificação dos golpes: “Com a pandemia e o isolamento, as transações bancárias em ambiente digital se multiplicaram, e com o início das operações do Pix em 2021, as fraudes explodiram em todas as tentativas possíveis, surgindo novas modalidades diariamente.”

Além das práticas convencionais, como acesso a links suspeitos, páginas falsas e clonagem de cartões, o pagamento por aproximação de máquinas fraudadas apresentou um aumento significativo, revela Amorim.

Segundo o Febraban, as instituições financeiras passaram a encarar o problema como uma necessidade de orientar os consumidores e alertar para os golpes recentes, especialmente no contexto do Pix. Esse movimento foi impulsionado por questionamentos judiciais de pessoas que tiveram seus recursos violados, envolvendo transações de Pix falsos, movimentação bancária sem participação do consumidor, adulteração de valores pagos, maquininhas adulteradas durante entregas, sequestros relâmpagos e roubos de celulares.

O advogado Paulo Akiyama, especializado em Direito do Consumidor, destaca a responsabilidade legal das instituições bancárias, regida pelo Código de Defesa do Consumidor, de assegurar a segurança dos correntistas. Ele afirma que “a proteção dos dados financeiros e pessoais dos clientes é uma responsabilidade inalienável dos bancos”. “Eles devem adotar medidas proativas para prevenir e mitigar riscos associados a golpes e fraudes digitais”, resslata.

O especialista reforça que o Banco Central (BC) quanto o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram a resolução conjunta nº 6, que tem como objetivo estabelecer um banco de dados contendo informações sobre diferentes tipos de “golpes”. “Os bancos são requeridos a compartilhar dados de forma a intercambiar informações entre si sobre as diversas práticas dos fraudadores”, explica Akiyama.

No posicionamento das instituições bancárias, frequentemente argumenta-se que as transações envolvem o uso de senha pessoal, cartão e aplicativo, o que poderia isentar a responsabilidade da instituição. No entanto, os bancos respondem objetivamente pelas operações fraudulentas. “Já existem decisões judiciais nesse sentido, respaldadas pelo Código de Defesa do Consumidor, especificamente no Artigo 14, que estabelece claramente a obrigação do fornecedor em assegurar a segurança dos serviços oferecidos aos consumidores”, diz Akiyama.

De acordo com as entidades de defesa dos consumidores, não é possível estabelecer responsabilidade sobre as questões de segurança e uso de engenharia social, quando os golpistas utilizam a identidade de familiares nas redes sociais para pedir dinheiro, pagar boletos, ligações de falsas centrais de atendimento de banco usando o número de telefone da própria instituição.

“Em linhas gerais, salvo nos casos de culpa exclusiva do correntista e que seja devidamente provado pela instituição financeira — inversão do ônus da prova —, o fornecedor de serviços responde pela falha na prestação de serviços e pelos danos causados”, afirma o advogado. “É massificado entendimento jurisprudencial no que se refere a responsabilizar a instituição financeira nos casos de golpes pela internet, especialmente quando há vazamentos de dados do cliente”, explica.

Segundo Akiyama, a transparência na comunicação desempenha papel essencial na proteção dos clientes. Os bancos devem informar claramente sobre as medidas de segurança implementadas, fornecendo orientações sobre ações que os clientes podem adotar para reforçar a proteção de suas contas. Ele destaca que “a transparência é essencial. “Os bancos têm a obrigação de manter os clientes informados sobre as práticas de segurança e as atualizações de políticas, promovendo uma parceria proativa na proteção contra ameaças digitais”, lembra.

A Febraban afirma que os bancos associados investem expressivamente em tecnologia, destinando cerca de R$ 35 bilhões por ano, sendo 10% desse montante voltado para a cibersegurança. O sistema bancário implementa diversas camadas adicionais de segurança, como georreferenciamento, inteligência artificial, Analytics e filtros comportamentais para identificar potenciais transações fora do padrão.

Além disso, a Polícia Civil investiga a ação de indivíduos e grupos que aplicam golpes por meio da internet, a fim de identificar e prender os envolvidos. A instituição também promove campanhas para alertar a população quanto aos possíveis riscos em transações por meio de sites ou aplicativos.

O que fazer caso seja alvo de golpes e fraudes?

O advogado Matheus Ramos esclarece os principais tipos de fraude e fornece orientações específicas para cada situação. Segundo ele, as medidas a serem tomadas variam de acordo com o tipo de ilícito. No caso do “Golpe do Pix”, ele destaca a importância de comunicar imediatamente ao banco, solicitando o uso do “mecanismo especial de devolução” do PIX, que bloqueia os valores e analisa possíveis fraudes. Em casos de demora do banco que cause prejuízo ao consumidor, a instituição pode ser responsabilizada.

Para lojas falsas, Ramos recomenda a abertura de uma contestação junto ao cartão, especialmente se o pagamento foi feito por esse meio. No entanto, ele ressalta que não é obrigação da administradora efetuar a devolução, mas o consumidor pode buscar esse recurso. Quanto a boletos e cobranças falsas, ele esclarece que, em pagamentos on-line, as instituições bancárias não são responsabilizadas pelos boletos falsos, pois o pagamento ocorre com os dados inseridos pelo consumidor. Se o boleto falso foi enviado pelo e-mail do fornecedor, este também é responsável por reconhecer o pagamento.

Sobre ressarcimento, a Febraban explica que cada instituição financeira tem sua própria política de análise e devolução, que é baseada em avaliações individuais, considerando as evidências apresentadas pelos clientes e informações das transações realizadas.

Como se proteger de golpes e fraudes?

Segundo Ramos, o consumidor precisa estar sempre atento na hora de fazer uma transação no celular ou pagar algo via QR Code, por exemplo, além de sempre suspeitar caso receba a ligação de alguém que afirma ser algum funcionário de banco ou de outra empresa conhecida.

“O grande padrão de todos esses golpes é se aproveitar de algum momento de distração do consumidor, e evitar confirmações. Nos casos de golpe do Pix, é muito importante ligar ou fazer uma chamada de vídeo para a pessoa. O golpista sempre busca uma desculpa para não fazê-lo, pois nesses casos é mais fácil identificar que se trata de outra pessoa”, explica o advogado. “No caso do Golpe do Pix, é crucial realizar uma chamada de vídeo ou ligação para confirmar a identidade da pessoa. Em relação a lojas falsas, a pesquisa do nome e CNPJ é essencial. Já no caso de boletos falsos, a atenção ao beneficiário do pagamento é crucial”. orienta

Ações Educativas

Diante do aumento de golpes e fraudes, as instituições financeiras intensificaram as ações educativas, alertando sobre os golpes mais comuns. Segundo a Febraban, os bancos mantêm uma estreita parceria com governos, polícias (Civil, Militar e Federal) e com o Poder Judiciário no combate à criminalidade, propondo novos padrões de proteção, muitos resultantes dos trabalhos desenvolvidos na Comissão de Segurança Bancária da Febraban, da qual participam representantes das principais instituições financeiras do país.

Um exemplo é o Projeto Tentáculos, parceria criada em 2007 entre a Febraban e a Polícia Federal para centralizar todas as notícias-crime de fraudes em um repositório único de dados. Ao longo dos anos, tornou-se uma referência interna e externa de cooperação público/privada no combate às fraudes bancárias eletrônicas. Nos últimos cinco anos, foram deflagradas cerca de 200 operações e cumpridos 445 mandados de busca e apreensão, além de 81 prisões.

Outra parceria significativa é a colaboração da Febraban com o Ministério da Justiça no aplicativo Celular Seguro. Desde julho de 2023, a federação trabalha junto ao Ministério da Justiça para integrar os bancos a essa iniciativa crucial, permitindo o bloqueio rápido de um celular perdido, furtado ou roubado.

Além disso, alguns bancos implementaram alertas de contas suspeitas durante as transações, oferecendo uma camada adicional de segurança. Contudo, tais iniciativas não isentam as instituições de sua responsabilidade em casos que demandam questionamentos.

A Polícia Civil reforça a importância de a população denunciar tais práticas delituosas, seja nas delegacias ou por meio do Disque Denúncia. O anonimato é garantido. A comunicação formal de ocorrências é de extrema importância para que os casos sejam investigados e os criminosos responsabilizados.