A partida de mais 233 venezuelanos para outros estados do Brasil alivia pouco a demanda crescente por assistência em Roraima. Cerca de 4 a 6 mil venezuelanos estão em Boa Vista e o estado se prepara para receber mais pessoas que fogem da crise econômica intensa instalada no país vizinho. Em Boa Vista são sete abrigos já funcionando; em Pacaraima, com um. Mais três devem ficar prontos na capital e outro na cidade de fronteira.
“Em Boa Vista ainda temos pessoas na praça Simón Bolívar. São os próximos que vamos abrigar. Ficando prontos os abrigos, em mais uma semana, a gente vai fazer essa manobra. Com a desocupação da praça e com alguns remanescentes em um prédio ou outro, estaremos estabilizados”, disse o General de Divisão Eduardo Pazuello, coordenador da operação de acolhimento dos migrantes, chamada de Força-Tarefa Humanitária.
Do lado de fora do abrigo Jardim Floresta, dezenas de pessoas se agitam sempre que o portão é aberto. Querem entrar e dormem na rua à espera de uma vaga. Alguns reclamam que são ignorados pelos responsáveis pela administração do local.
“Fiquei cinco dias na porta. Tomei chuva e sol, com fome e sono. Chegam outras mulheres que acabaram de aparecer e passam, não dão nenhum tipo de resposta”, reclama Maria Valéria, de 26 anos. Outras mulheres, algumas com filhos de colo, e homens também aguardam uma vaga e, enquanto isso, dormem na rua. “Não saímos da Venezuela porque quisemos. Saímos porque não há comida. Quantas pessoas não saíram da Venezuela porque não tem o que comer?”, desabafa a jovem, vinda da cidade de El Tigre.
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Questionado, o oficial de relações institucionais da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), Pablo Matos, reconhece o problema. “É uma situação realmente delicada, porque o abrigo tem um limite máximo de pessoas que pode receber 600 pessoas. Para acolher pessoas novas, a gente tem que esperar algumas migrantes saírem. Realmente tem esse problema e não só aqui; outros abrigos enfrentam esse mesmo desafio”.
Ele esclarece ainda que existe uma lista de espera e que o abrigo Jardim Floresta recebe, preferencialmente, famílias com crianças, mulheres em situação de risco, idosos e deficientes. Ele afirma que sempre que possível conversa com as pessoas do lado de fora. “Toda vez que um dos nossos colegas saem nós somos abordados. Não é com todos que a gente fala, mas com aqueles com que a gente conversa é exposta a mesma situação”.
A interiorização é o processo de promover a mudança de venezuelanos para outros estados do país. Até agora, 498 venezuelanos foram distribuídos entre São Paulo, Manaus e Cuiabá. Mas antes de fazer as malas e entrar em um avião, algumas coisas precisam acontecer. A primeira delas é a vontade do migrante em interiorizar. Muitos preferem ficar em Roraima pela proximidade com o país de origem. Não querem se distanciar muito da família.
Além disso, eles precisam ter um perfil desejado pelo mercado de trabalho dos outros estados. São Paulo, por exemplo, recebeu preferencialmente homens solteiros, o que facilitaria a empregabilidade. Já Manaus aceitou casais e famílias. Chegando lá, essas pessoas ficam em abrigos por um tempo determinado.
“A ideia é ajudá-los a reunir condições. Ninguém quer ficar num abrigo por muito tempo. As pessoas que interiorizam tem um prazo, dependendo do abrigo, de três a seis meses para arrumar um outro lugar para morar”, explicou Viviane Esse, da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa Civil da Presidência da República.
A Acnur, a Agência das Nações Unidas para as Migrações (OIM) e órgãos do governo federal, como os Ministérios do Trabalho e Emprego, do Desenvolvimento Social e da Justiça fazem parte de um subcomitê criado para garantir o máximo de sucesso na interiorização. Isso passa por levar o migrante a uma cidade que queira recebê-lo, com oportunidades reais de emprego e moradia.
O governo federal pretende investir na interiorização de 15 mil venezuelanos. Estão sendo disponibilizados R$ 190 milhões para atender a operação um período de 12 meses. Essa verba é utilizada, principalmente, em contratação de estruturas para abrigos, transporte de equipamentos e na alimentação dos migrantes, além das viagens de interiorização nos aviões da Força Aérea Brasileira (FAB).
Pazuello estima que, daqueles que estão em Roraima, cerca de 65% querem interiorizar; outros 10% a 20% querem ficar em Boa Vista e outros 10% a 20% pretendem voltar para o país de origem. Segundo pesquisa da OIM, os migrantes são capacitados. Entre janeiro e março deste ano, 3.515 venezuelanos foram entrevistados e 52% deles têm ensino médio, 26% têm curso superior e 2% são pós-graduados.
O trabalho das Forças Armadas na Operação Acolhida é montar estruturas para abrigo, fornecer comida, dar transporte, entre outras questões operacionais. Mas o trabalho de lidar diretamente com os venezuelanos nos abrigos fica, em sua maior parte, a cargo da Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).
As barracas para famílias são fornecida pela Acnur. São barracas grandes, com capacidade para uma família com mais de dois filhos. Durante todo o dia, pessoas ligadas à Acnur circulam pelo local, prestam apoio e ajudam a resolver problemas comuns de uma comunidade. Nos abrigos os migrantes têm aulas com professores voluntários, podem aprender sobre a língua portuguesa e as leis brasileiras.
“Os abrigos têm uma dinâmica. Eles cuidam da limpeza do local, servem a própria alimentação, têm momentos de aulas com professores voluntários. Tem pessoas que apresentam as leis do país. Eles têm que conhecer seus direitos e deveres e as cidades para onde vão”, diz Pazuello.
(Com Agência Brasil)