Os Estados Unidos estão a apenas algumas horas de uma paralisação da administração federal (shutdown, na expressão em inglês), por falta de votação sobre seu orçamento, uma confusão pela qual o presidente Joe Biden e os republicanos se culpam mutuamente.
A menos que haja um acordo de última hora no Congresso, o que é altamente improvável, a maior economia do mundo deverá desacelerar a partir deste domingo (1°), quando 1,5 milhão de funcionários públicos serão privados de seus salários, o tráfego aéreo será interrompido e os visitantes dos parques nacionais irão encontrar suas portas fechadas.
O motivo para esta situação é que nenhuma das câmaras do Congresso — nem o Senado, controlado pelos democratas, nem a Câmara dos Deputados, controlada pelos republicanos — conseguiu aprovar ainda um projeto de lei de finanças para estender o orçamento do Estado federal, que irá expirar à meia-noite de sábado (30) para domingo (pelo horário de Washington).
“Há cerca de 15 ou 20 anos, havia uma pequena parte da agenda republicana com que alguns democratas se identificavam, e vice-versa. O que significava que havia um núcleo comum em que republicanos e democratas podiam negociar. Com isso, o sistema dos Estados Unidos, com base no compromisso bipartidário, era capaz de encontrar soluções”, explica Jeremy Ghez, professor-adjunto de economia e assuntos internacionais na escola de negócios HEC Paris, entrevistado por Christophe Paget, da RFI.
O professor acrescenta que “hoje, esse núcleo comum se tornou extremamente reduzido, ou até mesmo nulo, em alguns assuntos. Isto significa que qualquer tema é visto como um jogo de ‘soma nula’, quer dizer, se os democratas ganham, os republicanos perdem. E o que os republicanos ganhariam, os democratas perderiam”.
Quase um ano antes das eleições presidenciais, os dois campos se culpam mutuamente por esta situação muito criticada pelos americanos. “Nesta reta final rumo às eleições de 2024, ninguém quer permitir que o campo oposto seja capaz de reivindicar uma vitória e, por isso, há esta polarização, esta fragmentação do Congresso que torna os acordos entre republicanos e democratas tão difíceis”, conclui Jeremy Ghez.
Guerra
Esta crise orçamentária terá repercussões diretas na guerra na Ucrânia. A Casa Branca exigiu inicialmente que a lei de finanças aprovada pelos deputados incluísse US$ 24 bilhões em ajuda militar e humanitária para Kiev. Ciente do risco de falta de apoio do grande aliado americano, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, foi ao Congresso na semana passada para tentar convencer os Estados Unidos a ajudá-lo a cruzar “a linha de chegada” diante da Rússia.
Mas parece cada vez mais incerto que este montante seja realmente colocado à disposição, dada a direção que as negociações estão tomando nos bastidores. Alguns deputados republicanos trumpistas se recusam a libertar qualquer nova ajuda a Kiev, alegando que estes fundos deveriam ser atribuídos à gestão da crise migratória nos Estados Unidos.
Estes apoiadores de Donald Trump, que têm um poder desproporcional devido à pequena maioria republicana na Câmara, já tinham empurrado os Estados Unidos para a beira do precipício político-financeiro, há quatro meses, na questão do aumento do limite máximo da dívida. Eles foram orientados pelo ex-presidente, que poderá enfrentar Biden em 2024, a “paralisar” o Estado federal, a menos que ganhem “todas” as questões orçamentais em debate.
Para o presidente democrata Joe Biden, a situação está nas mãos dos republicanos. Por outro lado, o presidente da Câmara, Kevin McCarthy, eleito à custa de numerosas negociações com os trumpistas, acusa os democratas de quererem “paralisar o governo”.
Foi sob a presidência de Trump que os Estados Unidos viveram sua mais longa paralisação, no fim de 2018 e início de 2019. De acordo com diversas estimativas, o PIB do país foi reduzido em mais de US$ 3 bilhões na época.
PIB
A poucas horas do prazo, o país se prepara para um novo encerramento total ou parcial dos serviços públicos. As autoridades começaram a ser notificadas da paralisação iminente. A maioria dos parques nacionais mais conhecidos do país, como Yosemite e Yellowstone, serão fechados. O tráfego aéreo também deve ser muito perturbado, uma vez que seus controladores e funcionários da Agência de Segurança dos Transportes (TSA) serão afetados.
Além disso, alguns beneficiários de ajuda alimentar poderão ter esse benefício temporariamente negad. Cada semana de paralisação poderá custar 0,2 ponto de crescimento do PIB dos EUA no 4º trimestre, de acordo com uma nota de economistas da Goldman Sachs.
