Da popularidade ao ‘sumiço’: O que aconteceu com os poodles no Brasil?

Em 25 anos, Bruno já teve sete poodles

Quando as poodles Brisa, de 16 anos, e Belinha, de 13, saem para passear nas ruas de Madre de Deus, na Bahia, elas não recebem mais os elogios e carinhos de antes.

“Além de estarem com a aparência de que são velhinhas, a raça não é mais a da moda, que as pessoas param e ficam elogiando quando encontram”, conta a estudante Laila Cruz, de 24 anos, que tem mais tempo de vida com as cachorras do que sem elas.

A rotina de Brisa e Belinha ilustra a atual situação da raça que, nos anos 1990 e início dos anos 2000, foi uma das mais populares do Brasil: a maioria que ainda está viva já é idosa, e poucas pessoas buscam por ela.

No país, não há um censo oficial que detalhe raças dos animais de estimação, mas alguns dados dão um panorama sobre o “sumiço” dos poodles.

A Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), que estabelece padrões para criação e emite pedigrees (certificado de origem de cães de raça) no Brasil, aponta o auge dos poodles em 1997, quando 3.193 foram registrados por pessoas que procuraram a organização.

Em 2022, a despeito do aumento do mercado pet nos últimos anos, o número de poodles registrados foi de apenas 501, uma queda de quase 85%.

Já o “censo” anual que as empresas DogHero (de hospedagens para pets) e Petlove (comércio eletrônico) fazem entre clientes cadastrados nas plataformas mostra que 62% dos poodles tinham mais de 15 anos em 2021. Ou seja, estão no fim da vida.

No mesmo levantamento, a raça representava 5% dos cães cadastrados nas plataformas em 2021– menos que os 6,1% identificados em 2017, no primeiro levantamento, e atrás de vira-latas (sem raça definida), shih-tzus e yorkshires.

Mas o que aconteceu para esses cães saírem de moda no Brasil?

O desaparecimento

Os especialistas na raça com quem a BBC News Brasil conversou concordam que a própria popularidade do poodle foi parte da sua “desgraça”. Com a alta procura por cães da raça, também disparou a quantidade de pessoas que criavam, reproduziam e vendiam os animais no Brasil.

“Todas as raças que têm um pico de popularidade passam a ser vendidas por mais criadores. O que acontece muitas vezes é que são pessoas que só visam o lucro, sem critérios ou estudos sobre raça”, avalia Maria Gloria Romero, dona de um canil especializado em poodles registrado em São Paulo.

No caso dos poodles, o desejo das famílias foi por animais cada vez menores. A situação chegou a um ponto em que, no Brasil, começaram a ser comercializados animais com o nome “micro” ou “zero” –mesmo que, nos critérios oficiais, o menor tamanho fosse o “toy”, com altura entre 24 e 28 cm.

“Foram cruzando os menores com os menores, pai com filha, para atender o desejo de clientes que queriam ‘cão de bolso’, um bibelô”, diz Giovana Bião, criadora de poodles e dona de um canil de poodles em Salvador.

“O resultado dessa busca muitas vezes são animais com deficiências, problemas. Os muito pequenos só deviam ser de companhia, não para ficar reproduzindo.”

Entre os problemas que mais se tornaram comuns entre os poodles no Brasil, estão a fragilidade óssea, convulsões, deficiências na arcada dental e as chamadas “lágrimas ácidas”, que deixam a região perto do olho escura.

Segundo as criadoras especializadas, quando alguma característica que afeta a saúde do animal é identificada, o cachorro não deveria ser utilizado para reprodução. Também não se deve cruzar cães com grau de parentesco próximo.

Além da fama de problemáticos acabar “minando” o interesse pela raça, Maria Gloria Romero avalia que famílias compravam filhotes para crianças esperando que os animais não crescessem –mas, muitas vezes, cresciam.

No fim dos anos 1990, quando a criadora fundou o Poodle Clube Paulista, famílias apareciam com reclamações constantes em exposições que, na época, reuniam dezenas de animais: “Cansei de ser abordada nos eventos por pessoas que se sentiam verdadeiramente enganadas por canis que reproduziam sem preocupações com a raça”.

O clube durou até 2003, quando quase nenhum animal aparecia mais para os eventos.

‘Querem cachorro da moda’

Lara, de 6 anos, é o sétimo poodle em 25 anos do analista de sistemas Bruno Gomes, de 40 anos, em Gurupi, no Tocantins. “Realmente, é difícil encontrar outro por aqui”, diz.

A insistência de Gomes na raça –que, para ele, tem como principais vantagens a inteligência e o fato de não soltar pelo– pode ser considerada exceção.

Além dos problemas de saúde que se tornaram comuns, outro fator essencial para o desinteresse dos brasileiros pelo poodles é o movimento cíclico que acontece com “raças da moda”.

“O brasileiro vai muito no modismo. O poodle foi ficando barato, todo mundo tinha, não era mais novidade. Aí, o vizinho aparece com uma raça nova e isso, inconscientemente, enche os olhos”, ilustra a criadora Giovana Bião.

Para Lucas Woltmann, doutorando de Antropologia Social na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) que estuda a criação de raças caninas, “‘entrar ou sair da ‘moda’ vai depender de múltiplos fatores, desde influências coletivas (filmes, livros) a individuais, como gostos pessoais e limitações de espaço.”

No Brasil, algumas raças que tomaram o lugar de poodles no gosto popular foram yorkshires, pugs, shih-tzus e, mais recentemente, o spitz alemão –ou Lulu da Pomerânia.

Na percepção de Laila Cruz, tutora de duas poodles idosas, as “novas” raças das moda –muitas vezes mais peludas e “delicadas”– ganham espaço também por conta das redes sociais.

“Cachorro agora tem que ser ‘instagramável’, tem que ser bonito, e o poodle é uma raça que necessita de muitos cuidados. Quando envelhece, ele não fica tão bonito. Então, as pessoas querem animais que valham a pena no social”, diz.

Lucas Woltmann concorda que as redes influenciam em “apresentar raças até então desconhecidas, ajudando a construir desejos e expectativas sobre elas”. Para o pesquisador, essa relação entre raças caninas e “status” começa na história com as ideias de cães “nobres”.

Segundo sua pesquisa, a literatura sobre caça no período medieval, por exemplo, fazia distinções entre cães “nobres” e “não nobres”. “Isso estimulou analogias entre pessoas e cães e amparou ideias sobre uma possível dimensão biológica e hereditária da nobreza, cuja marca mais clara foi o aparecimento do conceito de ‘sangue nobre’ entre os séculos 13 e 14”, explica.

O investimento em raças caninas ganhou corpo na Grã-Bretanha da segunda metade do século 19, quando houve uma popularização da criação organizada em clubes de canis.

Esses locais passaram a estabelecer padrões morfológicos e comportamentais e a fazer registro genealógico dos animais –algo que hoje é perpetuado pelas confederações como CBKC no Brasil e Kennels Clubes pelo mundo.

No caso do poodle, segundo o Kennel Club da Inglaterra, ele tem origem na Alemanha, onde foi criado para ser um caçador aquático, especialmente de patos, há mais de 400 anos. O primeiro registro de poodle foi em 1874, na Inglaterra.

Volta à moda?

Para quem viu a criação da raça quase desaparecer no Brasil, o momento atual é positivo.

O investimento que Giovana Bião fez em seu canil de poodles em Salvador, em 2014, foi taxado como “loucura”. Mas, segundo ela, o mercado começou a dar bons sinais, com novos criadores surgindo.

“No mundo dos groomers (profissionais especializados em estética pet), o poodle é muito valorizado, porque há um enorme número de tosas possíveis. É um animal único para isso”, diz.

A raça também vem sendo procurada, principalmente no exterior, para ser companhia de crianças com autismo, já que é considerada bastante obediente e atenta ao sentimento dos donos. Outra vantagem é ser uma raça que não provoca crises alérgicas.

Já Maria Gloria Romero, que nunca deixou de criar poodles, percebe que a procura atual é de uma clientela com maior poder aquisitivo, que se fidelizou aos poodles por seu caráter “alegre, inteligente e fiel”.

Mesmo com uma possível retomada, as duas criadoras ainda precisam buscar animais no exterior, em países como Japão, Rússia e Suécia, para “manter padrões” em seus canis. “Eu até agradeço por a raça ter perdido popularidade, porque quem cria hoje em dia é criterioso”, avalia Romero.

Segundo os dados da CBKC, que tem 56 criadores de poodle cadastrados no Brasil hoje, o ano com menos registros da raça foi 2016 (450). De lá pra cá, o número vem registrando leve alta (em 2022, foram 501).

Naturalmente, segundo os especialistas, o que aconteceu com o poodle também pode acontecer com outras raças na moda hoje no Brasil.