Desde que o explorador espanhol Vicente Pinzón descobriu o Mar Dulce (o primeiro nome do Rio Amazonas), em 1500, aqueles labirintos amazônicos foram cenário de viagens em busca de riquezas escondidas.
Até hoje, aquelas terras isoladas, entre o Brasil, o Peru e a Bolívia, seguem inspirando expedições, sabe-se lá onde, até ruínas lotadas de ouro trazido pelos incas.
A mais intrigante delas é a de Akakor, uma suposta cidade subterrânea em algum lugar da Amazônia que ganhou fama internacional a partir dos relatos de Hans Günther Hauck.
Mais conhecido como Tatunca Nara, esse alemão de sotaque carregado ainda tenta convencer o mundo que é um indígena brasileiro, príncipe de Akakor, capaz de conduzir expedicionários em buscas das lendárias cidades-irmãs Akakor e Akahim.
Se viajantes curiosos chegaram a ver pirâmides na maior floresta tropical do planeta ou cruzaram complexos sistemas de túneis, ninguém sabe, ninguém viu. Para quem fica do lado de cá, porém, a única certeza é que de lá ninguém volta.
Acho que o único lugar em que essa historia é verdade é na cabeça dele.
Ele é bem arredio, sobretudo por conta de todos os assassinatos, conta para Nossa a médica Karina Oliani, uma das participantes da série documental “A Maldição de Akakor” (Discovery e discovery+).
A história de Akakor teria sido inspirada na lenda do Eldorado, cidade imaginada desde os primeiros anos de colonização hispânica nas Américas, onde um líder indígena vivia mergulhado em pó de ouro.
“Uma das lendas mais persistentes e que mais incendiaram a imaginação dos conquistadores foi a do El Dorado”, descreve o pesquisador Márcio Souza no livro “História da Amazônia”.
De tempos em tempos, aliás, a ideia de um lugar fantástico no meio da selva se renova em novas histórias, como em ‘Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal’ (2008), em que o arqueólogo da franquia visita a pirâmide de Akator, inspirada em Akakor.
Outra história famosa aconteceu há quase 100 anos, quando o coronel Fawcett (esse, sim, um personagem real), desapareceu na região do Mato Grosso, em busca da Cidade Perdida de Z.
Assassinatos na floresta
A nova série de seis episódios documenta não só a busca de pistas daquela civilização ancestral, mas também dos expedicionários que não retornaram para contar uma história sequer.
Guiado pelo próprio Tatunca Nara, o norte-americano John Reed desapareceu na Amazônia, em 1980. Três anos depois, o suíço Herbert Wanner também sumia na selva brasileira, assim como a sueca Christine Heuser, em 1987.
Nem o jornalista Karl Brugger, que ouvira atento os relatos do conterrâneo indígena, escaparia do fim trágico daqueles que viajam para resolver mistérios. Brugger também viraria estatística.
Autor de “A Crônica de Akakor”, best seller dos anos 70 que conta em detalhes o encontro com o suposto líder indígena, o alemão foi assassinado a tiros no Rio de Janeiro, em 1984, enquanto apurava os mistérios de Akakor.
Cara a cara com ele, em Barcelos (AM), em 2018, Karina ouviu daquele organizador de expedições que teve que abandonar os “clientes” no meio da selva porque não queriam seguir a caminhada com ele, para logo aparecerem mortos.
Deu muito frio na barriga porque ele te convence da história. Mas começa a ficar muito nervoso e quer logo cortar a conversa.
É um tema que o incomoda bastante”, lembra a médica que viajou durante dois meses, pelo Amazonas, Acre e Amazônia peruana.
Diz a lenda que o portal de acesso a Akakor fica embaixo da cachoeira mais alta do Brasil, a El Dorado, com mais de 350 metros de altura e a exigentes três dias de caminhada de Barcelos, no inóspito Parque Estadual Serra do Aracá.
Porém, uma viagem em busca dos rastros de Akakor significa montar um quebra-cabeça que inclui ainda passagens pelo Acre e por destinos amazonenses como a Vila do Carvoeiro, no médio Rio Negro, e Velho Airão.
Aliás, para delírio de viajantes em busca de mistérios, esse povoado abandonado no baixo Rio Negro esconde petróglifos, como são chamadas as gravações geométricas feitas em rochas, há cerca de cinco mil anos.
Floresta peruana
Quem segue as pistas para Akakor cruza fronteiras e avança pela porção peruana da Amazônia, onde os exploradores da série visitam também a Reserva Nacional de Tambopata, próximo à cidade de Puerto Maldonado.
A equipe de seis especialistas da qual a brasileira Karina fez parte, formada por um geólogo, um jornalista investigativo e até um ex-agente do FBI, esteve na região Matsiguenga.
Acredita-se que o território dessa etnia indígena do sudeste do Peru abriga os símbolos que indicam a direção exata para Akakor, cuja cidade seria cercada por um alto muro de pedra.
“Tudo podem ser pistas”, descreve um dos participantes da expedição diante de um paredão rochoso lotado de petróglifos de origem desconhecida, provavelmente, feitos entre mil e dois anos atrás.
Chamar de turismo tudo o que se vê por ali seria um exagero, sobretudo em uma região que conta com infraestrutura precária, para não dizer inexistente, onde os deslocamentos por rios costumam durar dias, o tempo pode mudar a qualquer momento e o risco de contaminação de malária é constante.
Mais do que encontrar, de fato, a cidade dourada, a experiência vale pelo inusitado da historia e pela possibilidade de estar onde poucos, até hoje, estiveram.
E, quem ainda assim insiste em encontrar cidades perdidas de onde ninguém voltou, os perrengues em setores remotos da Amazônia incluem estar sob umidade constante, ter noites mal dormidas na beira do rio e até caminhar por áreas de garimpo ilegal.
“Umas das características mais intrínsecas da humanidade chama curiosidade. O ser humano tem essa coisa de explorar, de desvendar, de descobrir”, analisa Karina, especialista também em emergência e resgate em áreas remotas.
FONTE: Nossa