Aos gritos de “esse dinheiro é do povo”, o vereador Cleverson Pedro do pobre município de Cândido Mendes, localizado no Estado Maranhão, jogou milhares de reais pela janela da Câmara de Vereadores, levando ao delírio moradores humildes da cidade, ecoando ainda, que se tratava de dinheiro de origem corrupta e que tinha o objetivo de comprar o seu mandato, por meio de sua renúncia, para que um aliado do prefeito assumisse o cargo de vereador. O fato gera a indagação: como seria se todo dinheiro de origem duvidosa ou de corrupção fosse lançado pelas janelas?
O Brasil não é um país pobre. O Brasil é um país de pobres, de injustiça e com muita corrupção. É um dos maiores produtores de comida do mundo, com muita floresta, água doce e terras agricultáveis, além de constar entre as dez economias do capitalismo. Porém, a desigualdade e a corrupção estão nas raízes do país. Não é à toa que um vereador de um município com grandes desigualdades sociais e econômicas, numa região com muita pobreza consegue protagonizar um ato tão imoral e cotidiano da política e da administração pública. Seu ato poderia ser seguido por outras pessoas, para mostrar o uso do dinheiro da corrupção.
Em 2017, em Salvador, num apartamento utilizado por Geddel Vieira Lima, ex-ministro de Estado dos governos Lula e Temer, (vice-presidente de pessoa jurídica da Caixa Econômica da gestão Dilma Rousseff), foram encontrados pela Polícia Federal (PF) 51 milhões em cédulas de real e de dólar, em malas e caixas, provenientes de corrupção. Seria um impacto grande se essa montanha de recursos públicos fosse lançada pela janela do apartamento aos gritos de “esse dinheiro é do povo”?
Recentemente, bilhões de reais foram devolvidos ao erário por empresários e por funcionários de cargos de confiança indicados por políticos, envolvidos no escândalo denominado de Petrolão, somente um chefe de um setor da Petrobrás devolveu quase 100 milhões de reais. Nem todo dinheiro roubado da empresa foi recuperado. Como seria se todos esses bilhões fossem lançados da janela do prédio da petrolífera aos gritos de que ” esse dinheiro é do povo”?
Impossível esquecer do famigerado orçamento secreto, instituído pelo Congresso Nacional no final do ano de 2020, com bilhões de reais destinados aos correligionários ou às administrações de parentes de deputados e de senadores, com pouca transparência e que gerou operações da PF no combate à corrupção. Como seria se esses bilhões fossem lançados do prédio do Congresso Nacional aos gritos de que “esse dinheiro é do povo”?
Mais de 417 bilhões, por ano, são os valores sonegados por empresas no Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação. Recursos deixaram de entrar nos orçamentos públicos e não geram serviços para a coletividade. Se todo esse dinheiro fosse lançado pela janela aos gritos de que ” esse dinheiro é do povo”?
Há, também, os graciosos penduricalhos ou verbas indenizatórias criadas pelos poderosos da administração pública buscando burlar a Constituição Federal (CF) de 1988, que estabelece um teto de ganho para o funcionalismo. Há um mês, o ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal – STF, suspendeu leis do Estado de Goiás que facilitam a membros da magistratura ganharem mais de 170 mil reais, por mês, muito acima do teto constitucional de 41 mil reais, recebidos pelos ministros do STF. E se todo esse dinheiro pago a mais fosse lançado da janela aos gritos de “esse dinheiro é do povo”?
Pois bem, o correto é evitar a corrupção, a sonegação e os pagamentos graciosos para uma elite do funcionalismo público. No país da miséria e da fome ou em qualquer país sério, os serviços públicos são fundamentais para promover as políticas públicas e o desenvolvimento social e econômico. A postura do vereador é louvável para denunciar o desvio de recursos do erário, mas se a moda pega e todo dinheiro de corrupção, de sonegação e ganhos graciosos forem lançados de janelas? Certamente, teríamos uma forte “chuva de dinheiro” que envergonharia homens e mulheres sérios, atestando o desvio e os privilégios de poucos. Um absurdo para um país ainda tão desigual e tão corrupto.
Carlos Santiago – Sociólogo, Analista Político e Advogado