Nas décadas de 60 e 70 do Século 20, o economista e espírita Alfredo Jorge Nahas vivia um Brasil em ebulição. O país era o centro das atenções, não só pela sua pujante economia, que crescia a 10% ao ano, mas também pelo seu destaque no esporte e na música.
O futebol brasileiro brilhava com títulos mundiais e ícones como Emerson Fittipaldi e Nelson Piquet dominavam a Fórmula 1. Na música, a Bossa Nova, com a mais que badalada “Garota de Ipanema”, ecoava nas rádios do mundo inteiro. Nesse contexto, o Espiritismo, representado pelo carismático médium Chico Xavier, ganhava cada vez mais notoriedade.
Foi nesse período que a Twentieth Century Fox, atraída pelo sucesso dos romances de Emmanuel, se aproximou de Chico Xavier com uma proposta ambiciosa: transformar suas obras em filmes épicos de alcance mundial. A possibilidade de expandir a doutrina espírita para além das fronteiras brasileiras parecia finalmente ao alcance.
Chico estava exultante, empolgado. Porém, a alegria do médium se transformou em tristeza quando a FEB (Federação Espírita Brasileira) negou a autorização. Alegaram que os americanos deturpariam o Espiritismo, corromperiam os textos, transformando-os em algo “americanizado”.
Emmanuel pela divulgação
Chico contou essa história a Nahas quase em lágrimas. Ele não conseguia entender como a FEB poderia tomar tal decisão. “A obra não é deles, a obra não é minha, a obra é dos espíritos”, lamentou ele. Do plano extrafísico, o próprio Emmanuel, espírito guia de Chico, insistia na importância da divulgação.
Para Chico, era melhor uma obra deturpada, que poderia ser corrigida, do que a ausência de qualquer divulgação. Na visão dele, a recusa da FEB foi um crime contra a expansão da doutrina.
Nahas revelou a história durante live no Canal Flávio Valle, no Youtube, onde abordou o polêmico Concílio de Niceia, ocorrido no ano de 325 depois de Cristo.
Na década seguinte, outro grande equívoco afetou o movimento espírita. Alfredo Nahas observou de perto uma mudança drástica na forma como o espiritismo era conduzido. Nos anos 80, qualquer tema era enfocado nas discussões espíritas. As universidades, inclusive nos Estados Unidos, estudavam e divulgavam textos apócrifos, e a diversidade de pensamento era celebrada.
“Pureza Doutrinária”
Entretanto, essa pluralidade foi sufocada pela publicação do livro “Pureza Doutrinária” pela nova diretoria da FEB. O livro pregava uma interpretação rígida e exclusiva das obras de Kardec, relegando outros importantes autores e obras ao ostracismo.
O Conselho, do qual Nahas fazia parte, tentou resistir. Ele votou contra essa medida, mas em vão. Livros de autores como Ramatís e até mesmo obras de Chico Xavier, incluindo o famoso “Nosso Lar”, foram retirados das livrarias espíritas.
A doutrina, que deveria ser dos espíritos e para os espíritos, foi prejudicada por uma visão limitadora, privando-a de sua rica diversidade. Aos poucos, com resistência e esforço, algumas obras foram reintegradas, mas o dano estava feito. O movimento espírita, ao tentar proteger-se de influências externas, acabou por castrar a si mesmo.
Esses equívocos demonstram uma luta constante entre a pureza e a expansão da doutrina. No desejo de manter a integridade dos ensinamentos, as lideranças espíritas, muitas vezes, privaram o mundo de conhecer e se beneficiar de suas verdades. E, ironicamente, ao tentar evitar possíveis deturpações, acabaram cometendo o maior dos erros: o da omissão.
Silêncio do esquecimento
A mensagem de Chico resiste até hoje, ainda bem, contudo, é melhor uma obra imperfeita, mas disseminada, do que nenhuma obra. Porque onde há ação, há possibilidade de correção. Onde há estagnação, há apenas o silêncio do esquecimento.
“A Pureza Doutrinária só aceitava aquilo que Kardec tinha dito, o que Kardec não disse não podia ser verdade. Castraram o movimento espírita. Os espíritas querem ser donos da doutrina. A doutrina não é dos espíritas, a doutrina é dos espíritos. Quando a gente comentou com o Chico sobre a possibilidade de os americanos deturparem a obra, Chico, com a simplicidade dele, falou ser melhor uma obra deturpada do que não fazer nada, porque a deturpação a gente corrige, há os livros originais. Agora, não fazer nada é muito pior, é melhor errar do que não fazer nada”, disse Nahas a Flávio Valle.
Por: Juscelino Taketomi