A mulher fuzilada na guerra e enterrada com o brinquedo do filho

Martín de la Torre Muñoz chorava copiosamente após receber o seu chocalho que foi enterrado com a sua mãe, depois de fuzilada, há 83 anos, quando ele tinha apenas nove meses de vida, por tropa militar que agia em nome de Deus Salvador, do patriotismo e dos valores da família tradicional, numa época de intenso combate à democracia, à República, às liberdades e à autonomia entre os povos.

Ele segurava o brinquedo colorido imaginando o rosto da mãe. Passou a infância, a adolescência, a maturidade e agora a velhice sem olhar o rosto, sem beijar e sem dizer o quanto a amava. Martín levou uma vida de muita pobreza e não teve educação escolar. Mãos calejadas pelo trabalho pesado no campo e o rosto queimado pelo sol. Nunca obteve o mais simples do direito para um ser humano: vida ao lado da mulher que lhe trouxe ao mundo, escolarização e trabalho confortável.

Os irmãos e os outros parentes tinham medo de falar sobre a mãe dele. Catalina Muñoz Arranz, mãe de Martín, era uma mulher humilde, da província de Palência na Espanha, com posição política externada nas manifestações que participou. Quando percebeu que ia ser presa, por causa das suas preferências políticas, ela correu com as duas preciosidades que tinha nos braços: o filho e o brinquedo dele. Não escapou. Foi perseguida, julgada e fuzilada, em 1936. Em plena Guerra Civil Espanhola, com apenas 37 anos de idade, deixando quatro filhos menores.

No ano da morte de Catalina Muñoz, com um discurso nacionalista eufórico, a favor das igrejas, em nome de Deus e da tradição familiar, aconteceu um golpe contra a democracia, a República e a liberdade de organização e de expressão, liderado por militares sob o comando do general Francisco Franco.

A Espanha passou por longo período ditatorial. Francisco Franco impôs um dos piores regimes fascistas do Mundo Ocidental. Nada podia ser dito contra o Regime. A desigualdade econômica prevaleceu. A censura era a regra. O medo habitava o cotidiano de famílias que choravam perdas de perseguidos políticos.

Assim como Catalina Muñoz, inúmeras mães foram torturadas e fuziladas. Outras mulheres tiveram suas crianças roubadas e entregues para casais apoiadores da Ditadura que não podiam ter filhos, com a cumplicidade de autoridades do Estado espanhol. Tudo era realizado com a ideologia oficial: Pátria, Deus e a tradição familiar.

Mas nada dura para sempre. Nem as trevas, nem o obscurantismo e nem a tragédia. Em 1975, o ditador Francisco Franco morreu. Foi-se degenerando fisicamente pela doença. A sua mente já havia degenerado há muito tempo, pois nunca aceitou as diversidades culturais, as opiniões divergentes e o direito da livre escolha dos povos.

Hoje, com o Regime Democrático escolhido pelo povo, depois de anos da morte do ditador Francisco Franco e do fim da Ditadura, a Espanha decidiu homenagear todos que lutaram contra o arbítrio.

O País busca resgatar e identificar os espanhóis mortos na Guerra Civil e no período de consolidação da Ditadura. Os restos mortais de Catalina foram encontrados num antigo cemitério onde funciona o Parque de La Carcavilla, com o brinquedo do seu filho, Martín Muñoz.

Os restos mortais de Catalina Muñoz foram enterrados num lugar especial e seu nome foi escrito numa placa de pessoas que foram mortas por defender a democracia.

Catalina foi glorificada na história da Espanha e do mundo como exemplo de luta pela democracia e amor ao filho antes de morrer. Assim a Espanha está escrevendo uma nova fase de sua história marcada por liberdade, respeito à diversidade, e muita disposição em defesa do regime democrático.

Carlos Santiago – Sociólogo, Analista Político e Advogado.