
Foi publicada hoje, no Diário Oficial da União, a Lei Complementar nº 219, de 29 de setembro de 2025. A norma promove a mais relevante atualização desde a criação da chamada Lei da Ficha Limpa, em 2010.
A nova lei altera a Lei Complementar nº 64/1990 para unificar em oito anos o prazo de inelegibilidade e definir de forma clara seus marcos iniciais e finais. Também modifica a Lei nº 9.504/1997 para incluir a possibilidade de pré-candidatos solicitarem à Justiça Eleitoral um Requerimento de Declaração de Elegibilidade (RDE) quando houver dúvida sobre sua situação jurídica.
A Ficha Limpa surgiu para proteger a moralidade e a probidade administrativa, afastando temporariamente da disputa eleitoral pessoas condenadas por atos graves. Entretanto, a ausência de critérios uniformes sobre a contagem dos prazos resultou em decisões divergentes, insegurança jurídica e, em alguns casos, inelegibilidades prolongadas para além do que a lei originalmente previa.
A Lei Complementar nº 219 estabelece, entre outros pontos:
– Condenados por decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado ficam inelegíveis desde a condenação até o transcurso de oito anos (art. 1º, I, “e”).
– Casos de improbidade administrativa com dolo e enriquecimento ilícito seguem a mesma lógica: a inelegibilidade dura oito anos a partir da condenação colegiada (art. 1º, I, “l”).
– Governadores, prefeitos, parlamentares e chefes do Executivo que renunciarem para evitar cassação permanecem inelegíveis pelos oito anos subsequentes à renúncia (art. 1º, I, “k”).
– Foi fixado um teto máximo de doze anos para hipóteses de cumulação de inelegibilidades (§ 8º do art. 1º).
– O art. 26-D passou a prever que as condições de elegibilidade e inelegibilidade são aferidas no momento do registro da candidatura, admitindo a extinção do impedimento se o prazo terminar antes da diplomação.
Durante a tramitação, discutiu-se se as novas regras poderiam ser aplicadas a condenações já consolidadas.
O presidente da República vetou dispositivos que previam retroatividade ampla, argumentando que a mudança poderia afetar decisões já transitadas em julgado e comprometer a segurança jurídica.
Com a manutenção dos vetos, a lei aplica-se apenas a fatos futuros ou ainda pendentes de decisão definitiva, mas não reabre situações já encerradas.
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos garante, em seu art. 23, o direito de votar e ser votado, permitindo restrições apenas quando proporcionais e previstas em lei.
Doutrinadores vinham alertando que inelegibilidades de duração indeterminada poderiam contrariar esse padrão. Como signatário da Convenção e sujeito à jurisdição da Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Brasil vinha sendo cobrado a adotar regras claras e proporcionais.
A nova legislação responde a esse debate ao estabelecer limites temporais definidos e critérios objetivos para início e término da inelegibilidade, aproximando o país de parâmetros internacionais de proteção aos direitos políticos.
A reforma da Ficha Limpa não altera a essência do instituto — a proteção da moralidade e da lisura das eleições —, mas corrige pontos que geravam insegurança jurídica e divergências interpretativas.
Ao definir prazos uniformes e um marco temporal preciso, a nova lei enfrenta questionamentos sobre proporcionalidade e duração indefinida das sanções. Também contribui para maior previsibilidade do sistema eleitoral e maior coerência com compromissos internacionais assumidos pelo Brasil.
É uma atualização há muito reivindicada que busca equilibrar melhor o binômio entre moralidade pública e direitos políticos fundamentais.
*Fábio de Souza Pereira é jornalista, professor e membro da ABRADEP.


