
A cena de duas crianças brincando em uma gangorra improvisada, montada sobre os escombros da Faixa de Gaza, é uma das imagens mais tristes e reveladoras do nosso tempo. Em meio à devastação, à fumaça e às ruínas, a infância insiste em existir, ainda que em um gesto simples, tentando arrancar um instante de alegria onde sobra apenas dor.
Enquanto isso, multiplicam-se as justificativas oficiais: combate ao terrorismo, defesa da soberania, retaliações. Mas, na prática, quem mais sofre são os inocentes — crianças, mulheres, idosos, famílias inteiras que nada têm a ver com os conflitos armados e pagam com suas vidas o preço da guerra.
Os ataques indiscriminados contra a população palestina, sob o argumento de combater o Hamas, ferem diretamente as regras mais básicas do Direito Internacional Humanitário. Bombardear hospitais, escolas e abrigos não é estratégia militar: é uma violação clara das Convenções de Genebra, que exigem distinguir entre alvos civis e militares e limitar o uso da força para evitar tragédias com inocentes.
O mundo assiste a essa carnificina com uma passividade assustadora. Declarações oficiais e notas de repúdio não são suficientes diante da matança em curso. A fotografia das crianças em Gaza não é apenas um registro jornalístico; é uma denúncia. É o grito silencioso de quem não tem voz política, mas resiste à sua maneira, transformando escombros em brinquedo porque nada mais lhes resta.
A infância não deveria conviver com bombas. Brincar em segurança não pode ser privilégio de algumas crianças no mundo, enquanto outras aprendem cedo demais a lidar com medo, perdas e destruição. Proteger as crianças em tempos de guerra não é apenas um ideal ético, mas uma obrigação legal assumida pela comunidade internacional. Ignorar isso é trair o pacto mínimo de humanidade que nos sustenta.
Aquela gangorra improvisada, entre ruínas, é mais do que uma cena comovente: é um retrato do fracasso coletivo. Mostra que, enquanto o mundo tolera o massacre de inocentes, a guerra revela sua verdadeira face — não a de trazer paz ou segurança, mas a de destruir o futuro. E quando o futuro são crianças, cada bomba que cai é também uma derrota moral da humanidade inteira.
*Fábio de Souza Pereira é jornalista, professor e membro da ABRADEP.


