“Mônica”, de Ângela Ro Ro: um grito contra a violência que ecoa até hoje

É sabido que a música brasileira, além de sua inegável função estética, sempre desempenhou um papel social de denúncia e resistência ao longo dos anos. Nesse norte, a obra de Ângela Ro Ro se destaca não apenas pelo talento musical, mas pela coragem de dar voz às dores silenciadas de uma época.

Falo da canção “Mônica”, lançada em 1985, que não é apenas uma composição, mas um ato político e um registro de indignação. Inspirada no brutal feminicídio da jovem Mônica Granuzzo, de apenas 14 anos, assassinada por resistir a um estupro coletivo na zona sul do Rio de Janeiro, a música nasceu do olhar sensível e da alma inquieta de Ângela, que ao assistir à cobertura do crime, não conseguiu apartar-se da dor daquela mãe dilacerada em praça pública.

A música ou o hino “Mônica” emerge como um grito ecoado contra a barbárie, expondo a hediondez do feminicídio em um Brasil ainda marcado pelo silêncio institucional frente à violência contra a mulher. A letra, impregnada de empatia e indignação, denuncia não apenas o crime específico, mas também uma tradição de opressão e violência estrutural que vitimava e ainda vitima tantas mulheres.

Necessário se faz registrar que, passadas quatro décadas, o tema permanece atual. Apesar dos inegáveis avanços, notadamente a promulgação da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), que instituiu instrumentos concretos de proteção e combate à violência doméstica e de gênero, o Brasil ainda enfrenta índices alarmantes de feminicídio. Nessa vertente, a canção de Ângela se mantém viva como memória e alerta: um lembrete de que a luta pela dignidade feminina não está concluída.

A morte de Ângela Ro Ro, ocorrida em 08 de setembro de 2025, reveste a reflexão de um tom ainda profundo e significativo. Sua trajetória, marcada pela autenticidade, pela coragem de assumir sua identidade e por dar voz aos vulneráveis, reforça o lugar da arte como ferramenta de transformação social.

Não se trata apenas de celebrar uma cantora, mas de reconhecer uma militante da sensibilidade, que soube transformar dor em poesia e música em consciência coletiva.

Finalmente, à guisa de ilustração, pode-se afirmar que “Mônica” transcende o tempo: é crônica, denúncia e elegia. Se nos anos 1980 a canção denunciava a tragédia de uma jovem trucidada pela violência patriarcal, hoje ela ecoa como símbolo de resistência e memória, lembrando-nos que a luta contra o feminicídio é tarefa contínua e coletiva.

Por derradeiro, ao revisitar a obra e o legado de Ângela Ro Ro, reafirmamos que a arte é também trincheira de combate, onde a empatia se transforma em grito, e o grito em esperança de um país mais justo e humano.

Fábio de Souza Pereira – Jornalista, Professor de Direito e Membro da ABRADEP