No dia 31 de março, o coronavírus se alastrava pelo Brasil, ceifando a vida de 202 pessoas e acendendo o sinal de alerta nos estados. No Rio de Janeiro, com 23 vítimas fatais, a secretaria de Saúde resolveu se antecipar ao pico da crise — e encomendou 300 respiradores pulmonares para infectados em estado grave. A ideia era que ao menos 100 desses aparelhos fossem entregues em até cinco dias e o restante, em dez. Tão logo foi iniciado o processo de compra, uma pequena empresa, a MHS Produtos e Serviços, que nunca havia fornecido esse tipo de produto, enviou uma proposta: 56,2 milhões de reais. Essa foi a única oferta realizada. A aprovação da contratação saiu poucas horas depois. Um negócio e tanto para um jovem estudante que mora fora do Brasil e administra um podcast.
Até a semana passada, 24, Guilherme Sismil Guerra, de 19 anos de idade, era sócio majoritário da MHS Produtos e Serviços, “CO-CEO” de um programa de podcast desconhecido no Spotify e responsável por fornecer 300 respiradores para o estado do Rio de Janeiro. Nenhum aparelho, porém, foi entregue conforme o previsto. Por causa disso, o Ministério Público (MP) e o Tribunal de Contas do estado (TCE) resolveram apurar o caso. Após o início das investigações, o jovem estudante acabou saindo da sociedade da empresa – e o seu pai, Glauco Guerra, ex-funcionário da Receita Federal, assumiu a administração do negócio. “A empresa sempre foi minha”, reconhece o ex-servidor público, que se aposentou em dezembro. Além de ser contratada pelo governo do Rio, a MHS também presta serviços para a Eletrobras, o Exército, a Marinha, entre outros órgãos públicos.
Um parecer interno da secretaria de saúde do Rio reconhece que, durante a compra de respiradores e ventiladores, houve “falta de ampla pesquisa de preços” e um “número mínimo de cotações”, além de “falta de assinatura contratual”. O próprio Glauco admite a VEJA que houve certo “descontrole” do governo do Rio, que “não tinha planejamento efetivo” e que contratou “meio a toque de caixa” os respiradores. Somente nessa segunda-feira, 27, a MHS enviou uma série de documentações básicas para a secretaria de saúde. “Não temos mais interesse em seguir fornecendo respiradores. O desgaste é muito grande”, afirma o ex-servidor da Receita.
Na semana passada, o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), demitiu o subsecretário-executivo de saúde do estado, Gabriell Neves, responsável pelas contratações emergenciais durante a pandemia. Outros casos estão sendo investigados.
FONTE: VEJA