5 pessoas são resgatadas de trabalho análogo a escravo no Lollapalooza

Os trabalhadores eram submetidos a uma jornada de 12 horas e depois, dormiam sobre as mercadorias para "vigiar a carga"

Cinco trabalhadores do festival Lollapalooza foram resgatados de atividades análogas a escravidão. Os funcionários, que tem entre 22 e 29 anos, atuavam na preparação do evento na última terça-feira (21), quando foi flagrado a situação.

Em entrevista ao portal Repórter Brasil, um dos resgatados informou que eles trabalhavam cerca de 12 horas diárias no carregamento de bebidas para o evento, sendo obrigados depois pela “chefia a ficar na tenda de depósito, dormindo em cima de papelão e dos paletes, para vigiar a carga”.

Nenhum dos cinco funcionários possui vínculo empregatício formal com o evento. Segundo o auditor fiscal do Trabalho, Rafael Brisque Neiva, que participou da intervenção feita pela Superintendência Regional do Trabalho no Estado de São Paulo, os jovens “dormiam dentro de uma tenda de lona aberta e se acomodavam no chão, [não recebendo] papel higiênico, colchão, equipamento de proteção, nada”.

Os trabalhadores informaram que chegaram a ser ameaçados com pedras caso quisessem deixar o local de trabalho. “Um dos chefes falou: ‘se você for pra casa, nem volta’. Um outro disse: ‘quem precisa [de dinheiro], fica [a noite toda no autódromo]”, disse um dos resgatados.

Um dos funcionários explica que não deixava o local por conta da necessidade do emprego: “eu, com aluguel atrasado, desempregado, cheio de conta pra pagar e uma filha de 9 meses em casa, vou fazer o quê? Viver uma situação como essa em um festival desse tamanho é triste. Ninguém sai de casa para ser humilhado por ninguém, para ficar longe da família, mas a necessidade fala alto.”

Eles explicam que inicialmente eles seriam acomodados em um local próprio para hospedagem após o descarregamento de bebidas. “O que tinham prometido para mim era um alojamento ou um hotelzinho perto do local do show para dormir enquanto durasse o trabalho, e diária de R$ 100”, diz um dos trabalhadores, completando que logo no primeiro dia eles disseram que “ia ter que dormir na tenda”, falando para eles “desenrolar uns papelão” para eles dormirem.

Para a higiene pessoal, eles eram obrigados a caminhar até o alojamento destinado para alguns funcionários da Yellow Stripe, fora do autódromo, mas eles afirmam que tinha que ser rápido, “senão eles fechavam o registro de água”.

O festival começa nesta sexta-feira (24) e se estende até domingo (26), com atrações como Billie Eilish, Lil Nas X e Drake. Vale ressaltar que o festival chegou a movimentar no ano passado cerca de R$ 400 milhões, segundo as informações da prefeitura de São Paulo.

A empresa terceirizada responsável pelos cinco funcionários era a Yellow Stripe. Ela foi contratada pela Time 4 Fun, que é a responsável por fazer o Lollapalooza Brasil. Ambas as empresas foram notificadas pela situação em que os trabalhadores se encontravam, e serão responsabilizadas diretamente pelos crimes.

Assim que resgatados, os trabalhadores foram ressarcidos pelas empresas em aproximadamente R$ 10 mil pelos salários, verbas rescisórias e horas extras. Caso o Ministério Público do Trabalho peça verbas indenizatórias, o valor poderá aumentar. Mas isso ainda não tem prazo para que aconteça.

Rafael Augusto Vido da Silva, inspetor do Trabalho, disse que não há “dúvida de que a T4F foi omissa e faltou com a devida diligência no seu dever legal de fiscalizar o cumprimento da legislação trabalhista por parte da contratada”.

A Yellow Stripe se pronunciou dizendo que “cumpriu as determinações do Ministério do Trabalho, sendo que os empregados em questão foram devidamente contratados e remunerados”.

Já o Lollapalloza emitiu um comunicado público. Confira ele na íntegra logo abaixo:

“Comunicado Lollapalooza

“Para realizar um evento do tamanho do Lollapalooza Brasil, que ocupa 600 mil metros quadrados no Autódromo de Interlagos e tem a estimativa de receber um público de 100 mil pessoas por dia, o evento conta com equipes que atuam em diferentes frentes de trabalho, em departamentos que variam da comunicação a operação de alimentos e bebidas, da montagem dos palcos a limpeza do espaço e a segurança. São mais de 9 mil pessoas que trabalham diretamente no local do evento e são contratadas mais de 170 empresas prestadoras de serviços.

“A T4F, responsável pela organização do Lollapalooza Brasil, tem como prioridade que todas pessoas envolvidas no evento tenham as devidas condições de trabalho garantidas e, portanto, exige que todas as empresas prestadoras de serviço façam o mesmo.

“Nesta semana, durante uma fiscalização do Ministério do Trabalho no Autódromo de Interlagos, foram identificados 5 profissionais da Yellow Stripe (empresa terceirizada responsável pela operação dos bares do Lollapalooza Brasil), que, na visão dos auditores, se enquadrariam em trabalho análogo à escravidão. Os mesmos trabalharam durante 5 dias dentro do Autódromo de Interlagos e, segundo apurado pelos auditores, dormiram no local de trabalho, algo que é terminantemente proibido pela T4F.

“Diante desta constatação, a T4F encerrou imediatamente a relação jurídica estabelecida com a Yellow Stripe e se certificou que todos os direitos dos 5 trabalhadores envolvidos fossem garantidos de acordo com as diretrizes dos auditores do Ministério do Trabalho. A T4F considera este um fato isolado, o repudia veementemente e seguirá com uma postura forte diante de qualquer descumprimento de regras pelas empresas terceirizadas.”